Fundo Clima para a Caatinga: um chamado urgente para a COP30
- Repórteres: Adrielly Torres, Beatriz Paulino, Isla Lima e Mariane Santos
- 3 de set.
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Atualizado: 4 de set.

Com a COP30 marcada para acontecer em Belém, em 2025, a criação de um fundo clima voltado para a Caatinga pode colocar o bioma nordestino no centro das negociações climáticas globais. Esse tema se insere em uma das principais categorias de discussão da conferência: o financiamento climático, que trata do apoio financeiro de países mais ricos para que nações em desenvolvimento possam enfrentar a crise climática. Trata-se de uma oportunidade estratégica para alinhar o Brasil a três das principais convenções da ONU — a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), a Convenção de Combate à Desertificação (UNCCD) e a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) — e, ao mesmo tempo, garantir que a região receba investimentos estruturantes. Proteger e restaurar a Caatinga é agir diretamente nessas três frentes, reforçando o papel do país como líder na defesa de ecossistemas únicos e vulneráveis.
A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro, cobrindo cerca de 11% do território nacional, predominantemente no Nordeste, e é reconhecida como o semiárido mais biodiverso do planeta. Apesar dessa riqueza natural, o cenário atual é preocupante. Pesquisas recentes publicadas na revista Scientific Reports (Nature, 2023), realizadas pelo professor do Departamento de Biociências da UFPB, e coordenador do programa Nexus Caatinga, Helder Araújo, junto a colaboradores, apontam que 89% da cobertura florestal da Caatinga já sofreu algum nível de degradação, causada principalmente por ação humana, como desmatamentos, queimadas e uso insustentável do solo, superando até mesmo os efeitos das mudanças climáticas. O estudo também foi repercutido pela Revista Pesquisa FAPESP e pela Folha de S. Paulo. “Já vivemos as consequências herdadas. A Caatinga é um exemplo prático e atual onde é evidente a associação entre degradação e geração de pobreza”, afirma Helder Araújo.
As alterações climáticas já são sentidas de forma intensa: áreas do sertão da Bahia, Pernambuco e Cariri paraibano, por exemplo, passaram de um clima semiárido para árido nos últimos 30 anos. A degradação compromete a capacidade do bioma de manter suas funções ecossistêmicas, reduzindo a biodiversidade, a produtividade e a resiliência da região frente aos eventos extremos.
Para Helder, o fundo climático poderia reverter esse quadro com ações que unam restauração ecológica e desenvolvimento econômico: “Nós estamos chamando isso de ‘restaurar produzindo’. É uma forma de devolver a funcionalidade e capacidade produtiva ao sistema, criando oportunidades para as comunidades locais com práticas adaptadas à região”. Isso inclui a criação de cadeias produtivas ligadas à restauração florestal, envolvendo coletores de sementes, viveiros comunitários, agroflorestas e sistemas agropecuários regenerativos.

Entre as prioridades que poderiam receber apoio do fundo estão o reflorestamento, práticas agroecológicas, agricultura regenerativa e iniciativas de educação ambiental, vista pelo pesquisador como essencial para mudar mentalidades e superar o modelo de desenvolvimento insustentável adotado historicamente no semiárido.
Experiências como o programa Nexus Caatinga, que atua no Cariri paraibano, mostram que é possível aliar produtividade e conservação. Baseado em princípios científicos, o programa promove a integração entre lavoura e pecuária, conservação do solo, rotação de culturas e valorização dos serviços ecossistêmicos. Esses resultados podem servir de base para projetos financiados pelo fundo, fortalecendo a resiliência ecológica e econômica do bioma.

Em 2024, na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio de Janeiro, a instituição promoveu um evento sobre o Fundo Clima e o Programa BNDES Invest Impacto a governadores do Consórcio Brasil Verde. O governador da Paraíba, João Azevedo, estava presente e mostrou os desafios que a Paraíba enfrenta por causa do clima e defendeu a criação do fundo para cuidar da caatinga.
A iniciativa surgiu por causa da urgência em reconhecer a caatinga como um bioma estratégico no enfrentamento da crise climática. Sobre a relação entre o Fundo Clima Caatinga e a COP30, o governador da Paraíba, João Azevedo, disse em nota que defende que a criação do Fundo vá além da relevância ecológica, sociocultural e econômica, e sim porque a Caatinga, historicamente, recebe menos atenção e investimentos que os outros biomas: "A criação do fundo é fruto da articulação entre governos estaduais do Nordeste, pesquisadores, sociedade civil e organismos internacionais, com o objetivo de corrigir essa assimetria e canalizar recursos para ações de mitigação, adaptação e transição ecológica no semiárido".
O objetivo do Fundo Caatinga é destinar recursos para projetos que ajudem a recuperar áreas degradadas, produção de alimentos sem agrotóxicos, o aproveitamento da água e acesso à energia solar. Além disso, foca também no apoio às comunidades tradicionais e populações rurais com políticas de adaptação e geração de renda verde. “O Fundo Caatinga permitirá o financiamento de projetos estruturantes voltados à restauração ecológica, ao uso sustentável dos recursos naturais, à promoção da agroecologia, ao reuso de água e à geração descentralizada de energia solar”, afirmou em nota o governador da Paraíba, João Azevedo.

Segundo João Azevedo, a COP30 é uma oportunidade histórica para a visibilidade da Caatinga no debate climático. “Espera-se que o evento seja um marco para concretizar compromissos financeiros voltados aos biomas brasileiros além da Amazônia e Caatinga; atrair cooperação internacional para o semiárido; consolidar mecanismos regionais de financiamento climático, como o Fundo”, disse o governador. A presença dos líderes do Nordeste e de representantes da sociedade civil na COP30 é de grande importância para tornar a Caatinga visível nos debates globais sobre o clima e ter oportunidades de apoio e investimento internacional.
Ao trazer a Caatinga para o centro da agenda da COP30, o Brasil pode não apenas ampliar a visibilidade do bioma, mas também propor soluções replicáveis para outros territórios áridos e semiáridos do planeta — áreas que representam cerca de 40% da superfície terrestre e enfrentam desafios semelhantes de degradação e pobreza.
Nesse cenário, um Fundo do Clima para a Caatinga surge como uma ferramenta estratégica para reverter décadas de degradação e gerar oportunidades concretas para a população local. De acordo com o professor Helder, “algumas áreas na região estão climaticamente mais áridas, inclusive passando de um clima semiárido para um clima considerado árido”, como acontece no sertão da Bahia, Pernambuco e no Cariri paraibano. Esse processo evidencia a urgência de ações estruturantes que recuperem a funcionalidade do bioma e protejam sua biodiversidade única.

O Fundo Clima poderia atuar diretamente na restauração das funções ecossistêmicas da Caatinga, comprometidas pelo uso histórico do solo. O professor Helder destaca que “o histórico e o corrente uso degradante de solo na região reduziu drasticamente a estrutura natural em grande parte da região”, provocando perda de capacidade produtiva e colapso em diversas áreas. Programas de restauração, combinados com práticas sustentáveis, podem reverter essa trajetória, recuperando biodiversidade, função ecológica e combatendo a desertificação.
Além do impacto ambiental, essas ações têm o potencial de gerar benefícios diretos para as comunidades que vivem na região. A restauração ecológica pode ser integrada à produção local, com sistemas agroflorestais, agricultura regenerativa, viveiros comunitários e cadeias produtivas voltadas para a coleta de sementes e produção de mudas.
Projetos prioritários incluem reflorestamento, práticas agroecológicas, agroflorestas e agricultura regenerativa, com educação ambiental permeando todas as iniciativas. Mais do que mudanças técnicas, o desafio está na transformação de mentalidades: é necessário compreender que o modelo de desenvolvimento histórico foi o responsável pelos problemas que enfrentamos hoje.
Programas como o Nexus Caatinga mostram que é possível conciliar ciência, produtividade e conservação. Na prática, o programa atua em uma das regiões mais secas do Brasil, combinando princípios científicos para agropecuária sustentável, avaliação dos serviços ecossistêmicos e indicadores que permitem a replicabilidade das ações em diferentes contextos da Caatinga.
Embora iniciativas internacionais, como a COP30, possam trazer visibilidade à região, Helder lembra que “independente de ser ou não um ponto de virada, vejo sim uma oportunidade de ampliar os debates sobre o tema e usar a Caatinga como um exemplo”. Atuar com sistemas produtivos regenerativos pode servir de modelo para áreas áridas no mundo todo, combinando conservação, produtividade e geração de renda para populações locais.
Por fim, a integração entre ciência, políticas públicas e sociedade civil é essencial. O professor reforça que “o problema exacerba as fronteiras da ciência e a sociedade, em todas as suas esferas, precisa entender isso e se juntar nesse diálogo”. Um Fundo Clima para a Caatinga representa, portanto, uma oportunidade concreta de restaurar um bioma único e de consolidar o Brasil como referência em soluções sustentáveis para regiões áridas.
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