Gentrificação em João Pessoa: espelho do que Belém enfrenta com a COP 30
- Repórteres: Ícaro Cardoso, Lucas Aguiar, Gustavo Dahia e Gustavo Lipe
- 3 de out.
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João Pessoa vive um processo de gentrificação gradual, especialmente nos bairros litorâneos. A valorização imobiliária e a pressão por locações de curta duração têm elevado o preço dos aluguéis, empurrando antigos moradores para áreas mais afastadas. Esse fenômeno guarda semelhanças com o que ocorre em Belém, que, devido à COP 30, viu um aumento meteórico no valor de aluguéis e hospedagens, provocando deslocamento de moradores e mudanças no comércio local.

O processo de gentrificação, segundo o pesquisador Alexandre Sabino de Nascimento, doutorando em Geografia na UFPB, não é novo nem exclusivo do Brasil. O termo foi cunhado nos anos 1960 pela socióloga Ruth Glass, em Londres, para descrever o “enobrecimento” de áreas urbanas populares, ocupadas por classes de baixa renda e depois apropriadas por grupos de maior poder aquisitivo. Para ele, esse processo não acontece de forma espontânea: é resultado de uma coalizão entre mercado imobiliário e Estado, que requalificam e promovem áreas urbanas em busca de maior retorno financeiro, frequentemente à custa da população local.
Essa transformação, que pode parecer positiva à primeira vista, traz consequências profundas. De acordo com Sabino, além da gentrificação habitacional, há também a comercial — quando oficinas, pequenos comércios ou confecções dão lugar a bares e cafés voltados a públicos de maior renda — e até a ambiental, mais recente, que ocorre quando discursos de sustentabilidade e obras de parques urbanos servem de justificativa para a valorização imobiliária. É o caso de projetos como o Parque da Cidade, em João Pessoa, ou áreas requalificadas no Jaguaribe e no Porto do Capim, que carregam o risco de expulsar comunidades históricas em nome de uma suposta “devolução dos espaços à cidade”.

Em João Pessoa, a gentrificação se torna visível na orla, onde famílias de pescadores, que por séculos habitaram e moldaram o espaço, agora resistem à pressão de empreendimentos de luxo. Poucas casas ainda pertencem a moradores tradicionais; a orla, antes comunitária, virou vitrine para novos investidores. A lógica é a mesma descrita por Sabino a partir da teoria de Neal Smith, que destaca o “rent gap” — a lacuna de renda entre áreas desvalorizadas e o potencial de valorização que atrai o mercado.
Belém enfrenta realidade semelhante. Áreas ribeirinhas e centrais, ocupadas historicamente por populações ligadas à pesca e ao comércio popular, estão sob pressão de projetos turísticos e de requalificação urbana acelerados pela COP 30. A “modernização” prioriza o trânsito de autoridades e visitantes, mas ameaça descaracterizar identidades culturais e modos de vida amazônicos.

A história de Dona Aparecida, moradora do Altiplano em João Pessoa há 35 anos, ilustra essa tensão. Quase todo mês, ela recebe propostas para vender sua casa — quase sempre abaixo do que acredita ser justo. “Quase todo mundo oferece dois apartamentos achando que eu vou aceitar. Minha casa tem terreno grande, foi bem cuidado, vale muito mais do que estão oferecendo. Não vou entregar o que construí a vida toda. Vendo se for uma troca justa”, afirma.
Enquanto isso, os números do mercado não deixam dúvidas: segundo o G1, o metro quadrado à beira-mar em João Pessoa chega a R$ 25.000, com imóveis próximos à praia variando de R$ 12.000 a R$ 17.000, numa valorização média de 12% ao ano desde 2020. Já em Belém, o aluguel de 100 m² atingiu R$ 5,5 mil em janeiro, e para o período da COP 30, imóveis foram anunciados a até R$ 3 milhões. A oferta de leitos no Airbnb aumentou 54% em apenas um ano, alcançando 5,2 mil unidades, segundo o Índice FipeZAP.
Para Sabino, esses casos evidenciam que a gentrificação não pode ser confundida com simples melhorias urbanas: ela está atrelada a conflitos socioambientais e à segregação socioespacial. Quando os governos falam em “recuperar áreas para a cidade”, a questão central é: recuperar para quem? As populações pobres que sempre viveram nesses territórios também são parte da cidade — mas são frequentemente excluídas em nome de uma visão elitizada de desenvolvimento.
A conexão com a COP30 é direta. A especulação imobiliária intensificada pelo evento é um problema de justiça climática, pois expõe ainda mais as populações vulneráveis. Uma cidade verdadeiramente sustentável não é apenas a que preserva o meio ambiente, mas a que garante o direito de permanência dos seus moradores. O legado da COP30 não pode ser a exclusão, mas sim o compromisso de incluir a moradia digna na agenda climática e urbana.
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