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JUSTIÇA CLIMÁTICA: A LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA DO RIO DAS ONÇAS

  • Foto do escritor: Repórteres: Laura Moura e Ester Souza
    Repórteres: Laura Moura e Ester Souza
  • 1 de out.
  • 8 min de leitura

A emergência climática está cada vez mais presente no nosso dia a dia. A escassez de recursos naturais, a poluição e tantas outras adversidades revelam as injustiças climáticas visibilizadas pela COP 30. O rio Jaguaribe, localizado na capital paraibana, materializa essa discussão ao sofrer o descaso do poder público e da sociedade civil. Nesta reportagem, contamos um pouco da história deste rio e sua relevância para a memória paraibana, além de refletir sobre a importância da conservação da natureza para a sobrevivência humana, por meio da justiça climática. 


Essência da vida, reflexo da crise humana 


A água é a fonte primária da vida, o ciclo que transforma o mundo através de um processo contínuo de renovação. Ela pode ser encontrada em tudo: nos alimentos, nos seres vivos e no meio ambiente. Entretanto, mais gritante do que essa presença universal, é a sua ausência. Quando está em escassez denuncia a desigualdade social e suas marcas deixadas em grupos periféricos por meio da negligência governamental com a infraestrutura das comunidades. Mas é a poluição que evidencia tais injustiças climáticas. Esse desprezo, além de desumano, é o caminho para a destruição não só da natureza, mas também da memória.  


Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Terra é  composta por pouco mais de 70% de água. Essa estatística é dividida da seguinte forma: 97% é salgada e está nos oceanos e nos mares; quanto aos 3% restantes, 2,2% estão na forma de gelo, nos polos Norte e Sul; 0,6% corresponde aos lençóis freáticos da camada superficial do solo e 0,1% está na atmosfera. Por fim, somente 0,1% de água potável está disponível nos rios e lagos do planeta.


Desses 3%, o Brasil possui 12% da água doce existente no mundo, a qual 80% está localizada na bacia hidrográfica do rio Amazonas. Ou seja, a disponibilidade de água potável na Terra já é extremamente limitada e tende a piorar cada vez mais. Contudo, com a intervenção humana e aumento populacional, a poluição de rios recebe um agravante. Ecossistemas são invadidos e grandes cidades nascem, criando os chamados rios urbanos, na maioria das vezes afetados pelas alterações provocadas pelo intermédio da sociedade.


Jaguaribe, o maior rio urbano da Paraíba, carrega a marca do “rio morto”


Em João Pessoa, um grande exemplo dessa realidade é o Rio Jaguaribe. No passado, era o curso d’água que se impunha na paisagem da capital paraibana, atravessando bairros, cortando histórias e alimentando vida ao seu redor. O termo Jaguaribe vem do tupi îagûarype e significa “rio das onças”, nome escolhido pelos povos indígenas da região devido às corriqueiras aparições da espécie à margem do rio na época. Hoje, mesmo ferido pela poluição e pelo descaso, continua sendo o maior rio urbano da cidade, carregando consigo memórias, conflitos e a esperança de revitalização.


Nascido nas imediações da Esplanada e das Três Lagoas, entre o cruzamento das BRs 101 e 230, o Rio desce serpenteando por Cruz das Armas, Varjão, Jaguaribe, Castelo Branco, Manaíra, Tambaú, Bessa e Miramar, até encontrar o rio Paraíba. Em cada bairro, ele recebe não só a paisagem da cidade, mas também os reflexos de suas desigualdades: esgoto clandestino despejado tanto em áreas populares quanto em regiões nobres.


Este gráfico de barras apresenta a "População de bairros afetados"

Jardim Botânico de João Pessoa, um respiro verde no meio do concreto. Esse pedaço de Mata Atlântica, que resistiu à pressão imobiliária, guarda a memória de quando o rio foi um dos grandes abastecedores de água potável da cidade. Hoje, o espaço é símbolo de luta ambiental e abrigo da maior floresta nativa tropical dentro de uma área urbana em todo o mundo.


Mas o curso do Jaguaribe já foi mais livre. Até 1931, suas águas desembocavam na praia do Bessa. Com a intervenção de obras de drenagem, o rio foi desviado para o Mandacaru, deixando para trás um trecho conhecido pela população como “rio morto”. O que restou da antiga foz se transformou em um maceió, uma lagoa litorânea, que, ao invés de vida, passou a acumular poluição. Não à toa, a praia do Bessa já foi inúmeras vezes denunciada pela imprensa como imprópria para banho.


Mesmo diante das agressões, o Jaguaribe continua presente, tecendo ligações entre bairros, natureza e gente. Suas águas contam a história da urbanização de João Pessoa, os descasos e as lutas ambientais, mas também guardam a possibilidade de um futuro em que o rio não seja apenas lembrança ou obstáculo, e sim parte viva da cidade.


Águas passadas, problemas presentes


Para o filósofo pré-socrático, Heráclito de Éfeso, “ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”. O ciclo do Rio Jaguaribe está em constante mudança com base em seu desenvolvimento e adaptação ecológica ao ambiente. Mas, conforme a sociedade enfrenta processos de transformações político-sociais, a natureza também sofre. A relação entre o rio e a população é congruente, um interfere no outro. Ou seja, os impactos sociais e ambientais são mútuos para ambos os lados.


Em março de 2025, o Rio passou por um incidente em que se formou uma densa espuma branca, especialmente na região do bairro do Rangel (também conhecido como Varjão). De acordo com as investigações conduzidas pela Superintendência de Administração e Meio Ambiente (Sudema), a contaminação foi orgânica. O resultado da pesquisa determinou vestígios de surfactantes, substâncias  comumente encontradas em produtos de higiene e limpeza, como sabões, detergentes e shampoos. Eles diminuem a tensão superficial entre duas fases, ou seja, ajudam diferentes materiais a se misturarem melhor, como um líquido e um gás, ficando na camada de contato entre eles.


A imagem mostra uma grande quantidade de espuma branca no Rio Jaguaribe, em João Pessoa, Paraíba.
Espuma atinge Rio Jaguaribe em João Pessoa — Foto: Reprodução/TV Cabo Branco.

No Rio Jaguaribe, eles se acumularam na água, favorecendo a formação da espuma e criando uma fina camada isolante na interface ar-água.  Essa barreira dificulta a passagem do oxigênio do ar para a água, diminuindo o processo de reoxigenação do rio, especialmente em trechos de menor turbulência. Com a poluição química, o ambiente estimula o aumento de microrganismos e bactérias, como consequência, ocorre a morte de peixes, deterioração da água (com liberação de gases nocivos e odor desagradável), além do desequilíbrio ambiental. 


Durante o mesmo período, foi observada uma mancha escura no mar entre as praias do Bessa e de Intermares (Cabedelo), na foz do Rio Jaguaribe. O mau cheiro, além de incomodar, despertou preocupações nos banhistas e moradores da região. Novamente a Sudema coletou amostras e esclareceu a situação através de uma nota oficial, na qual explica os fatores que contribuem para o surgimento da mancha: 1) a baixa vazão do braço do rio, que causa retenção de matéria orgânica no estuário, acumulando-se ao longo do tempo; 2) as chuvas intensas, que aumentam a pressão da água, rompendo a barreira natural de contenção; 3) o material acumulado que é levado ao mar, resultando em água escura com odor característico; além da possibilidade do fenômeno ser resultante da decomposição da vegetação dos manguezais, que passa por processo natural de auto restauração.


A imagem mostra uma mancha escura no mar entre as praias do Bessa, em João Pessoa, e Intermares, em Cabedelo, na Paraíba.
Mancha escura invade mar no Litoral da Paraíba — Foto: TV Cabo Branco/Reprodução.

Com o intuito de controlar a situação, o órgão tem intensificado as análises de balneabilidade na região afetada, realizando coletas duas vezes por semana desde março. Porém, a Sudema já havia identificado características típicas de mangue na mancha escura, com presença de coliformes fecais, indicando contaminação por esgoto. Conhecido como “língua negra”, o fenômeno ocorre quando a água acumulada com resíduos vegetais em decomposição é liberada no mar durante períodos chuvosos. Como medida preventiva, o órgão recomendou que a população evite o banho de mar próximo a rios e galerias nessas épocas, especialmente nas áreas afetadas pela mancha.


Embora ambos os fenômenos estejam ligados ao Rio Jaguaribe, as autoridades apontaram que não estão diretamente relacionados. A espuma se formou em trecho urbano próximo ao Rangel, com suspeita de múltiplas fontes poluidoras ao longo do rio, enquanto a mancha escura envolve a foz, manguezais, acúmulo de matéria orgânica e esgoto, e depende de fatores como chuva intensa para transbordar para o mar. Contudo, ambos são resultado do descaso governamental e falta de políticas públicas para mudar o atual cenário do rio.


Nesse sentido, apesar do fluvial marcar a história paraibana e servir como um espaço para vida e preservação ambiental, ele permanece em estado de abandono e indiferença política. Tal negligência com o Rio Jaguaribe nada mais é do que um reflexo da negligência da própria sociedade. As águas do rio refletem a verdadeira face do contexto socioambiental: a falta de consciência ambiental, o desrespeito e a desigualdade social.


Apesar de todos os países serem afetados pela crise climática, alguns sofrem mais que outros, como é o exemplo de Tuvalu, pequena nação da Oceania, que está sob risco de desaparecer até 2050. Seu ponto mais alto está a apenas 5 metros de altura, correndo risco de ficar abaixo da maré alta em poucas décadas. Esse cenário assustador também se manifesta em escala menor, como nos bairros de João Pessoa. Em ocasiões de alagamento, os bairros ribeirinhos, em sua maioria localizados próximos ao Rio Jaguaribe, são os mais afetados. Em épocas de grandes chuvas, casas são inundadas e patrimônios são perdidos.


Essa realidade é um dos agravantes da Justiça Climática, tema trazido na COP 30. O debate reflete em como a injustiça ambiental também é atravessada pela injustiça social. Os moradores de comunidades como a de São Rafael, no bairro Castelo Branco sentem na pele a necessidade de um olhar mais atento em sua localidade. Dentre as situações que os afetam, está a impossibilidade de se deslocar em dias chuvosos, perda de móveis e veículos, doenças e acidentes.


No entanto, não é só devido às precipitações que o rio ultrapassa os níveis normais. A ausência de educação ambiental, manutenção constante do rio e atenção de órgãos públicos também são um fator determinante, além, é claro, do esgoto clandestino e lixo descartado no rio, pela própria população. De acordo com Kelson Chaves, coordenador da Defesa Civil da capital, somente no ano de 2023, foram retiradas cerca de 250 toneladas de resíduos do rio. 


A foz da esperança


A Prefeitura de João Pessoa vem tomando medidas de manutenção do rio Jaguaribe, em prol da segurança e saúde das comunidades que moram em torno dele, mas também em vista do meio ambiente. Um exemplo é o desassoreamento dos rios, realizado pela Defesa Civil, como ação de prevenção a inundações e acúmulo de sedimentos no leito. Outra ação disponível para auxiliar a população na preservação do rio são containers localizados no entorno do rio, para que a população possa descartar corretamente os resíduos. Esta é uma iniciativa da Autarquia Municipal Especial de Limpeza Urbana (EMLUR). 


Mas para além disso, a Prefeitura de João Pessoa, por meio de aprovação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), implementou o Programa de Desenvolvimento Urbano Integrado e Sustentável, conhecido como João Pessoa Sustentável. Criado com o objetivo de promover a sustentabilidade urbana da cidade, por meio da melhoria econômica e de gestão municipal, diminuir a desigualdade urbana, além de modernizar os instrumentos de planejamento da cidade, prestação de serviços, a administração pública e fiscal.


Uma das áreas de atuação do Programa é o Complexo Beira Rio, formado pelas comunidades São Rafael, Santa Clara, Tito Silva, Miramar, Vila Tambauzinho, Brasília, de Palha, Cafofo Liberdade e Padre Hildon Bandeira, população afetada em períodos muito chuvosos. O prefeito Cícero Lucena, em matéria disponibilizada no site do Programa reforça: “Estamos comprometidos com a melhoria da qualidade de vida e a inclusão social das comunidades mais vulneráveis. O João Pessoa Sustentável é um marco para a cidade, garantindo que as famílias tenham um futuro melhor e mais seguro”.


Dentre as soluções implementadas pelo Programa estão a criação de conjuntos habitacionais na Avenida Beira Rio, que vão somar 747 apartamentos, como lugar seguro e definitivo para as famílias, além de serem sustentáveis, pois aproveitam iluminação natural e ventilação cruzada; e a compra assistida, iniciativa que reassenta famílias de áreas de risco em habitações regularizadas, com apoio financeiro da prefeitura.


O Programa visa a urbanização ampla da capital paraibana, por meio de serviços essenciais como pavimentação, água encanada, drenagem, esgotamento sanitário, iluminação pública, acessibilidade e contenção de barreiras, além da implantação de um parque linear, utilizando racionalmente o solo às suas margens. João Pessoa Sustentável será executado até junho de 2026 e está orçado em 159,6 milhões de dólares, sendo 100 milhões financiados pelo BID e 59,6 milhões de contrapartida municipal. 


Essas iniciativas trazem esperança para o futuro do rio Jaguaribe e as pessoas que vivem em seu entorno, mas esse debate precisa adentrar uma escala maior. Por isso a importância do tema Justiça Climática na COP30, que será realizada em Belém, no mês de novembro. A ocasião será uma oportunidade para que nações, órgãos públicos e a sociedade reflitam sobre a urgência de soluções, visando a conscientização dos impactos ambientais e a preservação da natureza.

1 comentário


LAURA MOURA
LAURA MOURA
02 de out.

Reportagem muito interessante!

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