Paraíba no Clima Global: iniciativas locais que conectam desenvolvimento e sustentabilidade
- Reportéres: Ana Vitória Cerqueira, Alice Joplin e Maria Clara Marques

 - 1 de out.
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O imaginário construído sobre a Paraíba é, há séculos, um só: a terra castigada pelo sol, definida pela falta, pela seca. Mas e se esse mesmo imaginário que historicamente simbolizou a escassez for, na verdade, a chave para a abundância? E se o bioma caatinga, tão menosprezado, guardar os segredos para uma convivência resiliente com um planeta em aquecimento? Longe das manchetes factuais, um movimento silencioso e profundo reconecta o desenvolvimento do estado às suas raízes geográficas e climáticas. O estado avança na integração de seu desenvolvimento econômico com a agenda climática, demonstrando que é possível gerar renda, atrair investimentos e, ao mesmo tempo, preservar seus ecossistemas e garantir a segurança hídrica e alimentar de sua população.
Neste contexto, as energias renováveis representam sistemas de geração de energia a partir de fontes naturalmente reabastecidas, como radiação solar e ventos, caracterizando-se pela baixa emissão de gases de efeito estufa e reduzido impacto ambiental.
Paralelamente, a agricultura sustentável compreende sistemas produtivos que integram viabilidade econômica, conservação ambiental e equidade social, promovendo o uso eficiente dos recursos naturais e a redução de insumos externos.
A transição para modelos de desenvolvimento de baixo carbono representa não apenas uma resposta às mudanças climáticas globais, mas também uma oportunidade para converter recursos naturais abundantes em vantagens competitivas.
O debate ganha ainda mais relevância diante da COP30. O encontro colocará a Amazônia no centro das negociações globais, mas abre também espaço para que outras regiões do Brasil, como o semiárido nordestino, apresentem suas experiências de adaptação e inovação. Nesse cenário, a Paraíba tem a chance de mostrar que seus projetos em energias renováveis, agricultura sustentável e gestão hídrica dialogam com os desafios mundiais da transição climática, transformando um território historicamente marcado pela seca em referência no desenvolvimento.
Energias renováveis
A Paraíba é um dos líderes do Nordeste na geração de energias renováveis, aproveitando seu potencial solar e eólico. De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o estado já possui dezenas de usinas eólicas em operação, principalmente na região do sertão e agreste, onde os ventos são constantes e de alta qualidade. Na energia solar, destaca-se a usina fotovoltaica Coremas, um dos maiores complexos da América Latina, com capacidade para abastecer cerca de 300 mil residências. Além das grandes usinas, a geração distribuída (painéis solares em telhados de residências, comércios e indústrias) cresce exponencialmente, impulsionada pela alta incidência solar. O acadêmico de engenharia de energias renováveis João Gabriel Lucena Antão diz que apesar de as energias renováveis serem um desafio no momento, há uma vantagem competitiva futura.
O governo do estado tem sido um agente ativo nessa expansão. A Lei Estadual nº 11.260/2018 concede descontos de até 80% no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para a energia injetada na rede por sistemas de micro e minigeração distribuída. Antão afirma que: ´´ A redução de imposto e criação de linhas de créditos específicas são importantes (...) Mas ainda há pouca informação, e uma burocratização notória (...) Mas com isso há uma chance de democratizar esse tipo de energia.``Isso torna o retorno do investimento em painéis solares muito mais atrativo para a população. Além disso, a criação do Programa Estadual de Incentivo à Geração de Energia Solar (ProSol) visa fomentar a instalação de equipamentos em órgãos públicos e comunidades de baixa renda.
Agricultura sustentável
Enquanto o agronegócio de escala muitas vezes trava uma guerra contra o clima, tentando domar o semiárido com irrigação pesada e agrotóxicos, uma contracorrente floresce no interior da Paraíba. É a agricultura de convivência. Esta palavra, "convivência", é a pedra angular de uma filosofia que entende que a sustentabilidade não é uma tecnologia a ser importada, mas um conhecimento a ser resgatado. O projeto de formação de lideranças no campo da Paraíba coordenado pelo professor Jonas Duarte mostra que é possível uma agricultura sustentável. ´´Quem pode produzir sem destruir o meio ambiente é a agricultura familiar de base agroecológica`` cita Duarte.
Reduzir o uso de agrotóxicos não é apenas uma prática agronômica; é um posicionamento. O projeto tem o objetivo de ensinar e apoiar o campesinato com atividades práticas a usar a terra sem degradar e mostrar que é possível através de reforma agrária e assegurando conhecimento a essas comunidades com oficinas práticas e teóricas. ´´Agricultura familiar é viável economicamente e sustentável ambientalmente e inclusiva socialmente o projeto foca nessas pautas.`` Duarte.A feira agroecológica não é apenas um ponto de venda, é um espaço de troca de saberes e de afirmação de uma identidade cultural ligada à terra.
Programas como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) são muito mais que políticas públicas. Eles são a tradução prática de um conceito de economia circular local. O alimento produzido com base ecológica pelo agricultor familiar alimenta o filho de outro trabalhador na escola pública. Esse ciclo virtuoso fortalece o tecido social, gera renda que circula no município e protege o bioma caatinga, que sequestra carbono e regula o clima. É uma resposta tangível e local à crise climática global.
Adaptação às mudanças climáticas
A Paraíba vem implementando uma abordagem inovadora na gestão dos desafios climáticos, substituindo o paradigma do "combate à seca" pelo conceito de "convivência com o semiárido". Esta transição conceitual tem orientado políticas públicas e projetos que reconhecem as características climáticas regionais como base para o desenvolvimento de soluções sustentáveis. O Programa de Convivência com o Semiárido, coordenado pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento e da Agropecuária, integra ações que combinam conhecimento tradicional com inovações tecnológicas, promovendo a resiliência das comunidades rurais frente à variabilidade climática.
Na gestão de recursos hídricos, o estado atua em múltiplas frentes. As tecnologias sociais de captação, representadas pelo programa estadual de cisternas desenvolvido em parceria com a Articulação no Semiárido, já beneficiaram mais de 50.000 famílias, garantindo água para consumo humano e produção agrícola durante os períodos de estiagem. Complementando estas ações, sistemas de dessalinização foram instalados em comunidades rurais, transformando água salobra em potável, com monitoramento técnico da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba. A infraestrutura hídrica estratégica, incluindo açudes públicos e barragens de médio porte, é gerenciada de forma integrada pelo Instituto de Gestão das Águas do Estado da Paraíba, priorizando o uso múltiplo dos recursos hídricos.
Para a prevenção de eventos extremos, o estado vem fortalecendo sua capacidade de resposta através de um sistema de alerta precoce desenvolvido em parceria com a Agência Executiva de Gestão das Águas, que monitora condições meteorológicas e emite alertas para enchentes e secas. O Plano Estadual de Contingência, coordenado pela Defesa Civil estadual, estabelece protocolos para resposta a desastres naturais, com foco especial nas regiões suscetíveis a alagamentos. Simultaneamente, o Programa de Conservação de Solos e Água implementa técnicas de captação de água de chuva e contenção de enxurradas em áreas rurais, reduzindo os impactos tanto das estiagens prolongadas quanto das chuvas intensas.
Pesquisa e inovação
As instituições de ensino e pesquisa da Paraíba desempenham papel fundamental na construção de soluções para os desafios climáticos e no fomento ao desenvolvimento sustentável. Universidades como a Universidade Federal da Paraíba, a Universidade Federal de Campina Grande e o Instituto Federal da Paraíba desenvolvem pesquisas aplicadas que geram conhecimento e inovações tecnológicas diretamente relacionadas às necessidades do estado.
Diversos centros de pesquisa dedicam-se a estudos sobre a biodiversidade do semiárido, com destaque para o trabalho desenvolvido pelo Centro de Ciências Agrárias da UFPB, que investiga espécies nativas da caatinga com potencial econômico e nutricional. Na área de energias limpas, o Grupo de Pesquisa em Energias Renováveis do IFPB desenvolve tecnologias para aproveitamento solar e eólico adaptadas às condições regionais, enquanto o Núcleo de Meteorologia e Recursos Hídricos da UFCG avança no monitoramento climático e na previsão de eventos extremos.
Os programas de extensão universitária funcionam como ponte entre o conhecimento científico e as comunidades, transferindo tecnologias sociais e promovendo a capacitação técnica. Projetos como o "Água para Todos" da UFCG levam soluções para captação e tratamento de água às comunidades rurais, enquanto o programa "Solar Cidadão" do IFPB instala sistemas de energia fotovoltaica em residências de famílias de baixa renda. A Empresa Estadual de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária da Paraíba atua em parceria com essas instituições, validando e disseminando as tecnologias desenvolvidas nos laboratórios universitários.
Participação da sociedade civil
A sociedade civil paraibana tem se mostrado ativa e organizada na promoção de ações relacionadas às mudanças climáticas e ao desenvolvimento sustentável. Movimentos sociais e organizações não governamentais desenvolvem um trabalho fundamental na articulação entre comunidades, poder público e setor privado, ampliando o alcance e o impacto das políticas ambientais no estado. A Articulação no Semi-Árido Brasileiro representa uma das redes mais expressivas, atuando na difusão de tecnologias sociais de convivência com o semiárido e na defesa de políticas públicas adaptadas às realidades locais.
Projetos comunitários de educação ambiental multiplicam-se por todo o território paraibano, com iniciativas que incluem a realização de oficinas sobre manejo sustentável da caatinga, recuperação de nascentes e práticas agroecológicas. Essas ações, frequentemente desenvolvidas em parceria com escolas municipais e associações de bairro, buscam conscientizar e capacitar as comunidades para a adoção de hábitos ambientalmente sustentáveis. O projeto "Sementes do Semiárido", coordenado pela ASA Brasil em parceria com organizações locais, têm se destacado na preservação da agrobiodiversidade e no resgate de variedades de sementes crioulas adaptadas às condições climáticas regionais.
O protagonismo jovem manifesta-se através de diversas experiências inovadoras, como a criação de cooperativas de reciclagem administradas por jovens urbanos e o desenvolvimento de aplicativos para mapeamento de áreas de risco ambiental. No interior do estado, grupos de jovens rurais vêm implementando unidades demonstrativas de agricultura sustentável, combinando conhecimento tradicional com inovações tecnológicas. Essas iniciativas têm recebido apoio de programas estaduais e de organizações da sociedade civil, que reconhecem a importância do engajamento das novas gerações na construção de soluções permanentes para os desafios climáticos.
Desafios e perspectivas
Se a Paraíba avança na geração de energias renováveis, também enfrenta dilemas que revelam a complexidade da transição energética. O estudante de Engenharia de Energias Renováveis João Gabriel Lucena, da UFPB, vê na usina fotovoltaica de Coremas, uma das maiores da América Latina, um verdadeiro “laboratório a céu aberto” para entender tanto o potencial quanto os gargalos do setor.
“Coremas mostra na prática como é possível transformar a condição climática do semiárido, que sempre foi vista como um desafio, em uma vantagem competitiva”, afirma Lucena. Para ele, o empreendimento ensina lições sobre gestão de grandes projetos, desde o licenciamento ambiental até a operação, além de evidenciar a necessidade de que iniciativas desse porte dialoguem com as comunidades locais e gerem benefícios além da energia.
Mas os obstáculos são claros. O primeiro deles é técnico: o armazenamento do excedente de energia ainda é caro e pouco acessível, especialmente em regiões mais isoladas. Soma-se a isso a manutenção dos painéis em ambientes áridos, marcada pelo excesso de poeira, altas temperaturas e até a escassez de água para a limpeza. Há ainda um desafio estrutural: a falta de profissionais capacitados localmente, o que exige programas consistentes de formação técnica e universitária para acompanhar a expansão do setor.
Esses pontos revelam que, embora a Paraíba já seja protagonista na matriz energética nacional, a consolidação desse protagonismo depende de investimentos de longo prazo e da articulação entre governos, empresas e universidades. A experiência local, contudo, projeta perspectivas promissoras: se os gargalos forem superados, o semiárido pode se tornar vitrine mundial de inovação energética em tempos de crise climática.



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