João Pessoa na rota da COP 30: transporte urbano e o desafio da mobilidade com menos carbono
- Repórteres: Arthur Guilherme, Jéssica Dias e Magno Oliveira
- 4 de set.
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Atualizado: há 2 dias
Nos horários de pico, a Avenida Epitácio Pessoa, uma das maiores rotas de fluxo de carros na cidade, vira um corredor quase impenetrável de veículos. Entre as intermináveis buzinas e a poluição produzida pela combustão dos modais, ciclistas tentam dividir o espaço com os ônibus, alguns já ultrapassados pelo tempo, que carregam a maior parte da população.
Essa cena que acabamos de descrever se repete todos os dias e vai além da avenida mais conhecida da capital mais badalada do momento. João Pessoa se apresenta como uma das capitais mais verdes do país, o que de fato é, por mais que essa realidade venha sendo reduzida nos últimos anos conforme a cidade cresce. Mas, assim como a maioria das outras capitais brasileiras, João Pessoa depende fortemente de um modelo de transporte público movido a combustíveis fósseis.

Às vésperas da COP 30, a conferência que colocará o Brasil no centro das principais negociações climáticas globais, a capital paraibana carrega uma responsabilidade muito maior do que só reduzir engarrafamentos: precisa buscar a redução nas emissões de carbono e transformar sua mobilidade urbana em algo mais sustentável, se alinhando as próprias metas municipais e também nacionais.
A capital paraibana tem um Plano de Mobilidade Urbana que foi aprovado em 2022, onde estabelece uma série de medidas a serem tomadas para melhorar a situação atual de sua mobilidade, já que a cidade vem sofrendo com diversos pontos de congestionamento, principalmente durante os horários de pico. Neste plano, estão incluídas discussões como a expansão da rede de ciclovias e também o início da eletrificação parcial da frota de ônibus.
Além do Plano de Mobilidade Urbana, a capital também conta com outro plano, um pouco mais recente, o Plano de Ação Climática, aprovado em 2023. Ele é um pouco mais extenso, discutindo diversos assuntos sobre o meio-ambiente, entre eles, a mobilidade urbana, sendo mais ousado nas propostas que promete ser concluídas até 2050. E
ntre elas, a melhor utilização do solo, aproximando moradia e trabalho, escola e demais serviços utilizados pela população, um enorme desafio para ficar pronto em menos de 30 anos. Mas até que ponto essas iniciativas estão saindo do papel?
Enquanto governos, empresas e organizações ambientais estão debatendo soluções, quem sofre mesmo é a população que vive a cidade todos os dias nesse sistema burocrático. Só ela sabe o que é enfrentar longas esperas em pontos de ônibus e, quando ele chega, ter que disputar espaço no que se assemelha mais a uma lata de sardinha, ciclovias que não proporcionam a segurança necessária para os ciclistas e custos crescentes para manter um carro particular.
Entender como João Pessoa está lidando com esses desafios é também entender o quanto as promessas ambientais feitas para o mundo encontram obstáculos concretos nas ruas brasileiras.
Com isso, a proposta desta reportagem será revelar, com base em dados, entrevistas e observações in loco, em que medida João Pessoa está se tornando uma cidade mais comprometida com a mobilidade de baixo carbono. Buscaremos identificar as propostas que já estão sendo implementadas, seus resultados, o que ainda precisa ser feito, alinhando essas ações com os compromissos internacionais do Brasil na COP 30.
Plano de Mobilidade Urbana
O plano de mobilidade urbana de João Pessoa, aprovado em maio de 2022 com metas até 2032, projeta uma cidade mais conectada, inclusiva e menos poluente. Embora as diretrizes estejam alinhadas às metas da COP 30, dois anos após sua aprovação, a execução enfrenta obstáculos que questionam a efetividade do projeto.
Ciclovias: crescimento sem integração
O plano previa expandir a malha cicloviária de 89,09 km para 145,6 km. Até junho de 2025, segundo dados da Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana (Semob-JP), João Pessoa chegou a 121,8 km de ciclovias e ciclofaixas. No entanto, boa parte da expansão concentra-se na orla e em áreas centrais, sem interligação adequada das rotas ou cobertura dos bairros periféricos. Segundo levantamento do Ciclomapa, plataforma da União de Ciclistas do Brasil (UCB) e do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil), a cidade ocupa apenas a 5ª posição entre as capitais nordestinas, enquanto Fortaleza supera 500 km de malha cicloviária

Calçadas: promessa esquecida
Assim como as ciclovias, a melhoria das calçadas, prevista para cobrir 85% da cidade (cerca de 1.255 km), também ainda não avançou. A falta de padronização e acessibilidade deixa pedestres expostos a pisos quebrados, obstáculos e ausência de rampas, afetando especialmente idosos, pessoas com deficiência e famílias com crianças. A reportagem tentou contato com a SEINFRA e a SEPLAN, mas não tivemos resposta até o fechamento desta reportagem.

Transporte coletivo: integração cresce, mas qualidade não acompanha
O plano também estipulava aumentar o uso do transporte coletivo em 30%, reduzir o tempo das viagens e melhorar a qualidade do serviço. Entre 2020 e 2024, a integração temporal apresentou crescimento de 117%, passando de 284 mil para 619 mil utilizações mensais, segundo a Semob-JP.
Apesar desse avanço numérico, usuários relatam que atrasos, superlotação e linhas ineficientes continuam prejudicando a experiência diária. Além disso, não há dados públicos sobre a redução do tempo médio das viagens ou aumento da velocidade dos ônibus, como previsto no plano. Nossa redação também tentou contato com a Semob-JP por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), mas não teve retorno até o fechamento da reportagem.
Execução distante da meta
O desafio de João Pessoa vai além da expansão de ciclovias e melhorias no transporte coletivo. Sem a implementação consistente das políticas de mobilidade urbana, a cidade corre o risco de ver suas emissões de CO2 permanecerem elevadas, comprometendo a meta de reduzir poluentes e melhorar a qualidade do ar.
A falta de integração entre as diferentes medidas e a concentração de avanços em áreas centrais evidencia que a sustentabilidade ainda não chegou a todos os cantos da cidade. Essa desigualdade limita o impacto ambiental do plano e reduz o potencial de alternativas de transporte mais limpas e eficientes.
Para que João Pessoa cumpra seus compromissos com a COP 30, será necessária não apenas fiscalização rigorosa, mas também ações contínuas que tornem as políticas efetivas no dia a dia da população. Sem essas medidas, o plano de mobilidade urbana corre o risco de permanecer apenas no papel, enquanto os efeitos das emissões de CO2 continuam a afetar o meio ambiente e a saúde da cidade.
Plano de Ação Climática
O Plano de Ação Climática da cidade de João Pessoa é um projeto que foi aprovado no ano de 2023 e tem como principais objetivos tornar a capital paraibana mais resiliente, neutra em carbono, justa e inclusiva até 2050. Sabemos que a COP-30 é daqui a alguns meses e que o prazo para a possível conclusão dos objetivos presentes nesse plano vai mais além no tempo. Porém, é mais uma oportunidade de entender quais são as metas que João Pessoa está se comprometendo para melhorar o cenário climático atual.
O plano pretende apresentar um diagnóstico climático e, com isso, desenvolver direcionamentos territorializados com o intuito de alcançar um desenvolvimento sustentável e resiliente. O documento apresenta metas voltadas para a redução da emissão de gases de efeito estufa e busca uma cidade neutra do carbono. Dentre as diversas ações estratégicas, destaca-se o eixo de Mobilidade e Transporte Sustentável, uma iniciativa para os transportes da capital e para a melhoria da mobilidade urbana.
Mobilidade e transporte sustentável: promessas x realidade
Nesse eixo específico do Plano de Ação Climática, é revelado que o setor de transportes é o maior emissor de gases de efeito estufa, mostrando uma preocupação relevante e tornando-o prioridade nas ações de redução dos gases poluentes. Segundo o diagnóstico apresentado, esse setor é responsável por 40,6% das emissões totais no ano de 2020, com predominância de veículos particulares movidos a combustíveis fósseis e transporte público com baixa eficiência.
Algumas soluções apresentadas para melhorar a qualidade do transporte na cidade é o incentivo a redução e dependência do transporte individual motorizado, já que João Pessoa conta com mais de 400 mil veículos, sendo os grandes responsáveis pela emissão de gases poluentes. Para que isso se torne uma realidade, é preciso melhorar e qualificar o transporte público coletivo, tornando-o mais atrativo para a população e, com isso, reduzindo a utilização dos veículos individuais. Essa é também uma das metas apresentadas no plano.
Nas diretrizes apresentadas neste eixo, a modernização da frota do transporte coletivo é discussão central, propondo que seja feita, o quanto antes, a substituição de ônibus mais antigos e que poluem mais, para veículos mais sustentáveis, com a implementação gradual de ônibus elétricos ou movidos a combustíveis limpos.
A outra proposta visa aumentar a cobertura e frequência das linhas, dando mais atenção aos corredores que possuem uma maior demanda. Além disso, para facilitar as conexões, uma solução seria a integração tarifária, tornando o transporte público mais barato, já que vem sofrendo com diversos aumentos na passagem nos últimos anos, que não se justificam com a realidade vivida pela população.
Para contrastar com as propostas de modernização da frota, a população, que vive diariamente o transtorno de utilizar o transporte público da capital, não enxerga essas melhorias na prática. É o caso de João Paulo Costa, que mora em João Pessoa e passa por isso todos os dias: “além de chegarem atrasados e causarem superlotação, os ônibus são sucateados. Eu poderia chegar em casa com menos de uma hora, mas a viagem se estende por uma hora e meia ou até duas horas”.
Para além da requalificação do transporte público, o plano traz soluções para outras áreas da mobilidade urbana, como a expansão da malha cicloviária interligada, com prioridade para conexões com centros de trabalho, escolas e áreas de lazer, incentivando uma maior utilização das bicicletas, ajudando a desafogar um pouco as linhas de ônibus sobrecarregadas. Também é proposto o incentivo a sistemas de bicicletas compartilhadas, como já existem em algumas cidades grandes, exemplo de São Paulo, e que demonstraram sua eficiência nos locais onde foram implementados.
Quando se fala em mobilidade urbana e meio ambiente, um dos destaques desta discussão surge com bastante força: os veículos elétricos. Eles realmente são atrativos tanto para o bolso do consumidor, que economiza com combustível, quanto para o meio ambiente que não sofre tanto com a emissão de gases poluentes.
Visando essa tendência de carros elétricos e que pretende se tornar uma realidade nos próximos anos, o plano de ação climática também reservou um espaço para eles, propondo a implementação de pontos públicos de recarga. Também se encontra entre as soluções a criação de benefícios fiscais e tarifários para frotas limpas, como táxis, aplicativos e transportes por fretamento.
A discussão fica mais abrangente quando o ponto se torna a integração com o uso do solo, trazendo uma ótima solução, mas difícil de ser realizada. Aqui, o planejamento urbano entra em pauta, propondo uma proximidade maior entre moradia, trabalho e serviços, fazendo com que os longos deslocamentos não sejam mais necessários. O problema é, para que isso se torne realidade, muita coisa deveria mudar e muitos atores seriam envolvidos.
Até 2050, esse plano pretende ter como resultados nesse eixo de mobilidade urbana a redução expressiva das emissões de gases poluentes no setor de transportes, o aumento da participação do transporte coletivo e ativo na matriz de mobilidade, a melhoria da qualidade do ar e redução do ruído urbano, além da inclusão social pelo acesso equitativo à mobilidade urbana de qualidade.
Porém, o quanto dessas propostas listadas acima estão sendo implementadas? E, será que é possível alcançar a plena realização de todas até 2050?
A realidade expressa nas ruas de João Pessoa
Bem, para a primeira pergunta podemos dizer que algumas medidas já estão sendo tomadas como a modernização da frota de ônibus, com a prefeitura adquirindo mais de 120 ônibus para o transporte coletivo nos últimos anos, com João Pessoa se tornando a terceira frota mais nova do nordeste, conforme informações da prefeitura. Inclusive, alguns desses veículos são os famosos “geladinhos”, ônibus mais confortáveis e com ar-condicionado, mas que operam apenas em linhas específicas, já que não podem ir para o terminal do varadouro devido sua altura. Outros mais, utilizam combustíveis limpos.
A cidade conta com mais de 400 veículos em operação, mas o que presenciamos no dia-a-dia nas ruas da capital são ônibus superlotados, longas esperas nos pontos e uma parte da frota sucateada, especialmente os que atendem a linhas circulares. Onde estão estes 400 ônibus? Será possível que uma frota tão grande para uma cidade que não tem um milhão de habitantes não consiga atender a toda população? Ou o problema está na distribuição das linhas? O que sabemos é que as passagens não param de aumentar e a justificativa não condiz com a realidade. Quem sofre são os trabalhadores que, às vezes, precisam pegar mais de um ônibus por dia pagando mais de cinco reais por viagem.
É o que fala a estudante Maria Eduarda Nascimento, que utiliza o transporte público todos os dias, mas que não vê a modernização, nem tão pouco o aumento da frota de ônibus: “todo dia é o mesmo sufoco nos ônibus de João Pessoa, atraso, superlotação, ônibus velhos caindo aos pedaços, e a gente que depende disso é que paga o preço”. Falando em preço, Eduarda reclama dos recentes aumentos nas passagens: “pagamos caro para andar num transporte que chamam de público, mas que de público não tem nada, porque, para isso, deveria ser acessível, de qualidade e digno”, acrescenta a estudante.
Em relação a renovação da frota, Eduarda destaca que não se vê isso pelas ruas da cidade: “falam de ônibus novos, mas cadê? Porque eu, que utilizo o transporte todos os dias, quase nunca vejo (os novos ônibus). A realidade é bem diferente do que dizem ". A estudante também reclama da rotina estressante de utilizar um transporte que não entrega a qualidade prometida: “uma viagem que poderia ser feita em uma hora, vira uma hora e meia ou até duas horas. Não é só o cansaço físico, é o psicológico também. É chegar em casa exausta de um dia inteiro e ainda ter que passar por esse estresse”.

Esse gráfico talvez ajude a atender qual pode ser o problema em relação ao “aumento” na frota de ônibus na capital paraibana. Percebe-se sim o aumento na quantidade de ônibus, porém, as linhas não acompanharam a renovação da frota, mostrando que o problema talvez esteja na distribuição desses veículos na cidade, deixando áreas mais periféricas sem a devida atenção, causando os transtornos conhecidos pela população pessoense.
Quando o assunto é a expansão das ciclovias, como já abordada nesta reportagem, o avanço se concentra na orla e vias centrais, sem atender a boa parte da população que acaba se arriscando entre os carros por não ter o lugar apropriado para suas bicicletas.
Já em relação aos carros elétricos, a capital paraibana vive uma forte crescente no interesse por esses veículos, especialmente da marca BYD, que chegou com muita força no país. Já é comum ver esses carros circulando pela cidade. Segundo o site Carregados, que monitora o avanço na infraestrutura de carregamento na região, João Pessoa conta atualmente com 47 estações de recarga. Destas, 24 são públicas, uma quantidade razoável para uma tendência que ainda é relativamente nova.
Mas quando se fala da melhor integração do solo, essa é de longe a proposta mais inviável no momento, sendo algo muito distante de sua implementação eficaz, isso talvez por se tratar de algo que envolve muitos fatores e interesses individuais e que precisaria de uma motivação mútua para acontecer. Seria muito bom para todos, mas é muito difícil de se tornar realidade.
O que podemos tirar desse plano é que algumas etapas estão, em passos lentos, caminhando e que, respondendo a segunda pergunta, é possível, até 2050, cumprir tais metas, mas é preciso ter o total comprometimento dos órgãos públicos responsáveis. Enquanto isso, a população pessoense segue vivendo ao lado das limitações da mobilidade urbana da cidade que mais cresce no país, esperando o dia em que poderá desfrutar das qualidades propostas.
Ao longo desta reportagem, os objetivos e planos de João Pessoa para a mobilidade urbana e sustentabilidade foram detalhados e analisados. Para complementar a leitura, trouxemos a visão do especialista Flávio Vitorino, professor da UFPB, que comenta sobre os avanços, os desafios e o que ainda precisa ser feito para que a cidade esteja alinhada às metas da COP-30.
De João Pessoa ao Pará: um mesmo futuro
A COP-30 já está batendo na porta, fazendo com que João Pessoa enfrente um desafio muito grande: colocar os Planos de Mobilidade Urbana e de Ação Climática para andar. A cidade possui ótimas iniciativas, mas a realidade é que as ideias propostas nesses planos estão chegando à população com lentidão, de forma desigual e, muitas vezes, distante do que os pessoenses realmente precisam.
É inegável que houve conquistas a partir das iniciativas para melhorar o meio-ambiente, como a expansão, ainda desigual, das ciclovias, a renovação na frota de ônibus e um crescimento no interesse por veículos elétricos. Mas, esses avanços são acompanhados por obstáculos que comprometem essas medidas, como a superlotação no transporte público, muito disso por causa da má distribuição da frota entre as linhas, e também a fragmentação da estrutura para ciclistas e pedestres.
O futuro mais limpo da capital depende da capacidade de alinhar discurso e prática, com investimento, planejamento e participação da população. Se isso não acontecer, João Pessoa corre o risco de chegar não só na COP-30, mas em 2050, como meta para finalizar as medidas do Plano de Ação Climática, com mais intenções do que resultados. Enquanto isso, a população seguirá sofrendo com uma mobilidade urbana que fica aquém daquela que é considerada uma das cidades brasileiras com maior evolução nos últimos anos.
O grande desafio para João Pessoa vai ser provar que essas medidas são possíveis de serem realizadas, e precisa mostrar isso nas ruas, comprovar que uma cidade mais inclusiva, eficiente e de baixo carbono não faz parte de um conto de fadas, mas que pode ser uma realidade. O objetivo tem que ser tornar a vida da população pessoense mais fácil, porque são eles que vivem diariamente a rotina da capital.
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