Jornalismo ambiental no coração da COP30: entrevista com Alice Martins Morais
- Repórteres: Candy Ferraz, Davi Albuquerque, Gabriel Albuquerque, Thaynnara Kirlianne e Wellington Faustino

 - 1 de set.
 - 16 min de leitura
 
Em conversa com estudantes de Jornalismo da UFPB, a jornalista paraense falou sobre a cobertura da COP30, destacou a importância de observar o próprio território e refletiu sobre como os jornalistas podem se preparar para traduzir o debate climático.

Em 2025, o Brasil sediará pela primeira vez a Conferência das Partes (COP30), um dos maiores encontros globais sobre mudanças climáticas. O evento acontecerá em Belém, capital do Pará, e a escolha da cidade amazônica carrega forte simbolismo: discutir o futuro do planeta a partir do coração da floresta.
É justamente de Belém que fala a jornalista Alice Martins Morais, nascida e criada na Amazônia, especialista em Comunicação Científica e ex-bolsista da Earth Journalism Network. Reconhecida internacionalmente, Alice foi selecionada em 2025 como uma das 11 jornalistas do mundo convocada na Pulitzer Center COP30 Call e já recebeu outras premiações importantes, como o Prêmio de Jornalismo Digital Socioambiental, na categoria “Melhor Reportagem Socioambiental”.
Em suas reportagens, Alice cruza ciência, meio ambiente e Amazônia, mostrando que falar sobre clima não é apenas narrar tragédias, mas também projetar esperança. Em entrevista aos alunos da disciplina de Jornalismo Multiplataforma I, da UFPB, ela fez um paralelo entre a Amazônia e o semiárido paraibano, refletiu sobre o desafio de traduzir pautas ambientais para a sociedade e deixou um lembrete: “Se você quer cobrir a partir do seu território, o primeiro passo é começar a observar mais o seu território.”
JOMlab: Primeiramente, a gente queria que você se apresentasse. Antes de ser jornalista, quem é Alice Martins Morais? Fala um pouquinho mais sobre você.
Eu sou paraense, formada pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Sempre tive muita curiosidade em relação à ciência, sabe? Inclusive, gostei muito da disciplina quando eu estava na escola, por exemplo. Até cheguei a cogitar ir para a área da biologia ou das ciências ambientais, foram outros cursos que eu considerei, mas acabei indo para o jornalismo pela possibilidade de ter mais diversidade de temas para trabalhar.
Ainda durante a graduação, eu já tinha essa ideia de ficar relacionando uma paixão com a outra, digamos assim – o jornalismo com as ciências. Então, na minha graduação, eu trabalhei com instituições de pesquisa, estagiei em instituições científicas… A primeira foi o Museu Paraense Emílio Goeldi, que é referência aqui na Amazônia e até internacional, e onde eu aprendi muito sobre ciência e como comunicar ciência. E aí eu me formei, fui para o mercado, comecei a trabalhar com jornalismo diário, factual. Mas eu sentia muita falta de trabalhar com jornalismo especializado.
E daí eu fui para um lugar, para outro, e voltei a trabalhar mais focada com isso em 2022. Desde então, eu não larguei mais. De 2023 para cá, eu trabalho exclusivamente com essa relação de ciência, meio ambiente e Amazônia. Eu sou especialista em Comunicação Científica na Amazônia, também pela UFPA.
Quando eu falo de Amazônia, não falo só de Belém, mas da Amazônia Legal: os nove estados que compõem esse bioma. E daí, em 2024, ano passado, eu fiquei o ano inteiro focada na cobertura de oceanos. Eu já tinha tido uma experiência prévia em 2023, mas ano passado foi quando eu realmente consegui ter essa oportunidade de passar o ano inteiro focada em cobertura de oceanos na Amazônia. Em 2022, eu tinha ido para a COP, foi a primeira vez que eu fui para uma COP, a COP 27, no Egito. E, no ano passado, eu cobri também o tratado global de plásticos – a reunião do tratado global de plásticos na Coreia do Sul. Essas duas experiências foram enriquecedoras para entender como funcionam essas negociações climáticas, entender um pouco mais do global… Eu acho muito legal a ideia de entender o global para aplicar no local, sabe?
JOMlab: Queríamos saber se o seu interesse surgiu a partir das discussões que teve na UFPA ou se você mesma buscou se especializar em jornalismo ambiental.
Eu não sei como está hoje em dia. Entrei na universidade em 2012 e, naquela época, o jornalismo ambiental não estava em evidência. Era muito difícil. Eu não tive nenhuma disciplina focada nessa questão, mesmo estando na Amazônia. Parece até óbvio que deveria ter, mas não era assim. Acho que com toda essa discussão de COP aqui em Belém, inevitavelmente as coisas caminham mais para esse lado, mas, na época, não. O que estava em alta eram as redes sociais – era só sobre isso que se falava, porque era uma novidade. Os jornalistas começavam a pensar em trabalhar para redes sociais.
Então, meu interesse por jornalismo ambiental era muito pessoal. Eu sentia falta de um direcionamento, especialmente na relação entre ciência e meio ambiente na Amazônia. Mas na faculdade, de fato, não tive isso. O que havia eram algumas oportunidades paralelas, como palestras e oficinas. Até comentei essa semana com colegas como isso mudou: por conta da COP, hoje em Belém tem evento todo dia. Ninguém tem tempo de ir a todos, mas a maioria está sempre com uma boa participação. Isso é muito diferente da minha época. Antes, quando havia eventos de meio ambiente, só iam pessoas que já tinham interesse prévio, não atraía tanto. Hoje, vejo essa mudança e acho incrível, porque mostra a transversalidade do tema. Mesmo sendo uma especialidade, meio ambiente, clima e oceanos atravessam todos os outros assuntos. Se você gosta de economia, saúde ou política, tudo passa por aí.
Na minha geração, havia uma ideia forte de que era preciso ir para São Paulo, talvez no Nordeste também exista isso, para conseguir oportunidades, aprender mais e ter contato com outros temas. Era como se só lá fosse possível conquistar outras coisas. Hoje, vejo uma inserção maior. Como vocês falaram: vocês estão na Paraíba e estão falando de COP. Acho muito legal perceber essa mudança e espero que continue assim.
“Na minha geração, havia uma ideia forte de que era preciso ir para São Paulo, talvez no Nordeste também exista isso, para conseguir oportunidades, aprender mais e ter contato com outros temas. Era como se só lá fosse possível conquistar outras coisas. Hoje, vejo uma inserção maior”.
JOMlab: Você já foi à COP27 e agora está se preparando para cobrir a COP30. Como você enxerga a importância de um debate como esse ser realizado aqui no Brasil em 2025? O que muda quando uma conferência desse porte ocorre em território nacional, especialmente neste contexto em que o mundo olha para a Amazônia?
Eu acho que o fato de a gente estar tendo essa conversa já é um exemplo, sabe? Por exemplo, eu entrei no mercado de trabalho no jornal tradicional, diário, há quase 10 anos, quando eu estava me formando. Na época, era praticamente impossível emplacar uma matéria sobre meio ambiente, mesmo estando na Amazônia, o que é absurdo, mas é verdade. Já teve casos de eu até ter sido convidada para fazer uma press trip e, mesmo assim, não consegui emplacar uma matéria sobre isso.
Às vezes, se resumia a uma publicação de release ou a matérias de agências, como Folhapress, mas era muito difícil ter espaço para isso. E hoje, quando assisto ao jornal, já vejo todos os dias uma matéria sobre meio ambiente. Então, acho que, a partir do momento em que a COP está sendo vista como um grande evento – e às vezes acho até que se esquece um pouco do tema que vai ser debatido –, de uma forma ou de outra, o movimento acaba gerando curiosidade.
É aí que as pessoas começam a falar sobre o tema, mesmo que ainda não seja da forma ideal. Para mim, isso já é um legado: plantar essa sementinha na cabeça das pessoas, fazê-las pensar que existe esse debate, que as lideranças mundiais estão discutindo. Acho isso muito interessante já como um legado. É como eu falei: vocês aí, na Paraíba, conversando comigo aqui em Belém. Não sei se, em outro cenário, a gente teria isso acontecendo.
Muita coisa começou ali na ECO-92, quando todo esse movimento surgiu. Foi quando as pessoas começaram a pensar sobre o meio ambiente, de forma geral, preservar o planeta. Agora, estamos tendo uma discussão ainda mais qualificada sobre clima, um pouco mais setorizada. Já vemos jornalistas se especializando nesse tema por estar “no hype”? Sim, por estar no hype. Às vezes nem é por interesse genuíno, mas o conhecimento sempre agrega. Acho muito interessante ter um evento como esse.
No entanto, poderia ter sido melhor aproveitado. Estamos nos contentando com o que está acontecendo, mas poderia ser ainda melhor. A discussão deveria sair um pouco do círculo de pessoas que já estão ligadas ao tema, para realmente alcançar as comunidades, a população. Não tenho certeza se as pessoas aqui em Belém têm clareza do que é a COP. Às vezes converso com o motorista do Uber, por exemplo, e ele pergunta: “A COP, o que é?”. A ideia passada é de que é um grande evento, que vai receber estrangeiros.
“A discussão deveria sair um pouco do círculo de pessoas que já estão ligadas ao tema, para realmente alcançar as comunidades, a população. Não tenho certeza se as pessoas aqui em Belém têm clareza do que é a COP”
Isso refletiu em impactos negativos, como na hospedagem. Desde o início, deveria haver uma educação sobre o que é de fato essa conferência, quem é o público que vai vir. Quando se pensa em turista estrangeiro, imagina-se alguém com muito dinheiro, mas não necessariamente. As lideranças civis da sociedade muitas vezes dependem de financiamento e de hospedagens mais baratas. Uma coisa leva à outra. A forma como foi comunicado desde o início – e a culpa de muitas frentes, inclusive do governo – deu a impressão de que era hora de ganhar dinheiro. A própria imprensa não estava preparada para esse debate, muitas vezes apenas republicando discursos.
A falta de base reflete a deficiência na educação sobre meio ambiente e clima. Agora, há uma virada de chave, assim como na ECO-92, que foi um momento decisivo. Se antes era difícil fazer jornalismo ambiental, naquela época, imagina. A partir daí, pessoas mudaram suas carreiras para esse caminho, escolas começaram a falar sobre meio ambiente e agora vemos escolas falando sobre clima. Lideranças comunitárias fazem rodas de conversa para debater o clima. Esses movimentos são muito legais.
E, como vocês falaram, a qualificação profissional também é muito interessante. Semana passada, falei com uma feirante que estudou inglês por conta da COP. É uma associação de mulheres ribeirinhas que está tendo aula de inglês toda terça-feira para se preparar para a COP. Isso é muito bacana.
JOMlab: Falar de meio ambiente pode ser difícil por envolver termos científicos. Na cobertura da COP30, como você pretende tornar essa linguagem mais acessível? Em reportagens anteriores, você já precisou adaptar termos técnicos para chegar de forma mais clara ao público?
É, eu acho que isso é uma preocupação muito válida e, claro, depende muito de qual é o seu público, né? É muito diferente falar sobre a COP em uma reportagem de TV que vai ser vista por um público muito diverso, ou fazer uma reportagem para os veículos que eu geralmente trabalho hoje em dia, que são veículos mais especializados, com um público que já tem alguma familiaridade com o assunto. Mesmo assim, acho importante ter em mente, acho até uma questão de humildade, que ninguém é obrigado a saber.
Por exemplo, siglas: pra mim, é uma coisa que tem que estar descrita, independentemente do veículo ou da familiaridade do público. Se você fala de COP, tem que falar "Conferência das Partes", e assim por diante. Foi muito interessante na primeira vez que cobri a COP, porque eu estava em um veículo amplo, um dos grandes jornais do estado. O público era muito diverso e não tinha familiaridade com o tema. Na época, em 2022, ninguém sabia o que era a COP. Foi a primeira cobertura de COP aqui no estado, porque começou a movimentação política para trazer a conferência para a Amazônia.
Com todo o movimento dos governadores da Amazônia Legal e do presidente Lula recém-eleito, havia muito buzz sobre o evento. Foi um momento propício para começar a cobertura, e desde então nunca parou, o que é ótimo. Todos os anos, os dois grandes jornais do estado cobrem diariamente a COP, o que é fenomenal. Na época, fomos na segunda semana e só soubemos que iríamos dias antes. Foi preciso um esforço enorme para nos preparar e entender como abordar o assunto, porque não era algo que já fazíamos cobertura regularmente.
Para muitos veículos, a COP30 é um momento de adaptação. Eu vejo que alguns já estão habituando o leitor, para não jogar o tema de repente na cabeça dele, mas introduzi-lo aos poucos. As primeiras matérias precisam ser genéricas, explicando o que é a COP, como começou, etc. No caso de veículos online, isso é mais fácil: é possível criar seções fixas de introdução, glossário de siglas... Atualmente, trabalho como freelancer e escrevo para vários veículos. Um deles, por exemplo, criou um glossário.
É importante introduzir o tema aos poucos para aproximar o leitor e não afastá-lo. Se chegamos com termos complexos e siglas aleatórias, o público se distancia da discussão. Também é fundamental dar contexto, porque muitas vezes as pessoas acham que reuniões de presidentes estão distantes da realidade delas, sem interferir em suas vidas. Mas política é isso: interfere sim, então precisamos contextualizar.
Por exemplo, quando fui cobrir o Tratado Global de Plásticos, um tema muito nichado, precisei contextualizar: como está a poluição plástica na Amazônia? O que será decidido globalmente pode reverberar localmente, e pesquisas mostram como microplásticos afetam tanto humanos quanto animais. No caso das mudanças climáticas, termos como "financiamento climático" podem parecer estranhos, mas é possível mostrar como eles impactam erosões e enchentes até mesmo em bairros.
Isso depende muito do contexto do veículo e do público, mas é fundamental. Não se pode simplificar demais, a ponto de passar a impressão errada: por exemplo, muitas pessoas acham que a COP vai discutir lixo em Belém, mas não é um tema que será debatido diretamente. Porém, a poluição tem impactos climáticos, e é isso que precisa ser transmitido. Temas complexos não devem ser rejeitados, devem ser abraçados. Principalmente quando há espaço para explicar. Em veículos tradicionais, parte do texto pode ser cortada, mas como jornalistas, nossa missão é digerir a complexidade e apresentá-la ao público de forma mais acessível.
"Como jornalistas, nossa missão é digerir a complexidadee apresentá-la ao público de forma mais acessível"
JOMlab: Como você enxerga o papel do jornalismo na construção da consciência ambiental no Brasil?
É inevitavelmente difícil, não há um caminho fácil. É preciso estudar constantemente, não dá para se formar e achar que está pronto. É um exercício diário. Primeiro, é fundamental estar familiarizado com o assunto para poder falar sobre ele. Não é fácil, dá muito trabalho, exige atualização constante, e há muitas coisas complexas. Não somos obrigados a saber tudo, mas é essencial ter fontes confiáveis e, às vezes, até manter uma certa amizade com pesquisadores, uma relação próxima com algumas fontes confiáveis que podem funcionar quase como consultores.
Por exemplo, quando eu estava na COP ou no Tratado de Plásticos, momentos muito intensos, as novidades surgiam a cada dia. É tudo muito sutil e detalhista: uma palavra pode mudar completamente um acordo. Eu ficava apreensiva de publicar uma notícia errada. Nesses casos, eu tinha meu “leque de consultores”: pessoas que acompanhavam as negociações e com quem eu conversava no fim do dia para confirmar: “É isso mesmo? O que está acontecendo?”. Não existe pergunta idiota, nosso dever é perguntar, mesmo que as fontes às vezes nos tratem como se fosse uma pergunta boba, precisamos fazer a pergunta para que a audiência não fique perdida.
Primeiro lugar: curiosidade. Não dá para ser jornalista sem ser curioso. Segundo: estudar e perguntar, para entender o assunto e transmiti-lo corretamente ao leitor.
Não é fácil. Eu já trabalhei no jornalismo diário e na mídia tradicional, e muitas vezes não há espaço para isso. Por isso, é papel de editores e chefes de redação criar ambientes propícios à curiosidade. Curiosidade exige tempo e energia, produzir conteúdo de qualidade é uma escolha, e para ter qualidade, precisa haver um ambiente adequado.
JOMlab: Você acredita que nós, jornalistas, podemos encontrar narrativas que vão trazer um pouco de esperança e mostrar soluções também, em vez de só tragédias?
É, vocês tocaram num ponto muito importante. Existem pesquisas internacionais sobre mídia que mostram justamente isso: a audiência está se afastando do jornalismo por saúde mental, principalmente depois da pandemia. A pandemia foi um divisor de águas em vários sentidos – positivos, negativos, lições aprendidas.
Foi um momento em que jornalistas passaram a pensar mais sobre ciência, por causa da vacina, que exigiu conhecimento aprofundado. Ao mesmo tempo, foi uma cobertura de tragédia que nossa geração não tinha vivido, não lidamos com guerras ou situações anteriores que nos preparassem para isso. Houve saturação: ninguém aguentava mais ouvir sobre a pandemia. É uma linha tênue entre alertar e desesperar.
Aí entra o jornalismo de soluções, que vem se popularizando internacionalmente e é algo que tento trabalhar: tratar dos problemas sob a ótica das soluções, mostrar desafios, mas também o que deu certo ou o que não deu e o que pode ser aprendido. É importante mostrar que as coisas não estão paradas. Há muita gente trabalhando para resolver os desafios da humanidade, e dar luz a isso gera esperança, e a esperança é o que move. Ela faz, por exemplo, um eleitor se preocupar em quem vai votar. Se ele acha que não há mais jeito, vota em qualquer um. Mas se acredita que algo pode melhorar, passa a se importar.
"Aí entra o jornalismo de soluções, que vem se popularizando internacionalmente e é algo que tento trabalhar: tratar dos problemas sob a ótica das soluções, mostrar desafios, mas também o que deu certo ou o que não deu e o que pode ser aprendido"
Mesmo em reportagens de tragédia, existem momentos para isso. No caso do Rio Grande do Sul, como vocês mencionaram, em tragédias imediatas só há luto, preocupação e susto. Mas em problemas mais amplos, como a erosão, é possível explicar o que pode ser feito, mesmo que ainda não esteja sendo aplicado. Por exemplo, a reportagem premiada “O Futuro do Marajó”, publicada no Eco em setembro do ano passado, abordou uma situação de erosão devastadora. Casas derrubadas, sonhos destruídos, muito pior do que os relatos indicavam.
Não havia como suavizar, a situação era grave. Mas o foco foi: o que poderia ter sido feito? Muitas tragédias climáticas são anunciadas pela ciência. No Marajó, aquela área estava condenada à erosão há quase 10 anos, alertas da Defesa Civil existiam, mas o poder público não agiu. Não foi fatalidade, foi descaso político, com pessoas mais pobres e invisibilizadas. Mostrar o que poderia ser feito dá gás para cobrar ações futuras e evitar repetição.
Ainda assim, no final da matéria, mostramos ações que a comunidade já realizava, como o plantio de bosques para dar resistência ao solo. Assim, mesmo sem apoio do poder público, a comunidade se mexe. Onde houve plantio, não houve erosão, diferente das áreas sem ação, e isso pode ser replicado.
Ao falar de soluções, é importante não criar a ideia de herói ou “bala de prata”. São estratégias construídas a partir de experiências, erros e acertos, que podem se tornar modelos replicáveis. O objetivo é gerar movimento. Não apenas aplaudir, mas inspirar que as soluções se espalhem para outras comunidades. "Ai, que lindo, que bacana que eles fizeram isso... eu vou começar a fazer na minha comunidade também". Entende?
JOMlab: Você é do Pará e tem experiência de cobertura ambiental na Amazônia, enquanto nós vivemos o contexto do Nordeste, com diferenças geográficas e climáticas – a exemplo do semiárido, que está cada vez mais árido. Como você acha que podemos aprender com a cobertura feita na Amazônia para tornar visível o problema da desertificação aqui no Nordeste e na Paraíba?
Legal. Primeiro, acho importante lembrar que tudo está relacionado: o desmatamento na Amazônia impacta o semiárido e vice-versa. Mais uma vez, entra aquela ideia do global para o local, entender como essas relações interferem umas nas outras.
Quando falamos da cobertura da Amazônia, ainda estamos aprendendo. Por muito tempo, a cobertura sobre a Amazônia foi feita principalmente por jornalistas do Sudeste ou de outros países, falando sobre nós. Nos últimos anos, houve mais empoderamento local e a reivindicação de que nada sobre nós deve ser feito sem nós. Quem vive na Amazônia fala melhor sobre ela.
Isso se aplica também ao Nordeste. Vejo movimentos de jornalistas locais reivindicando seu lugar de fala. A Amazônia está em evidência agora, mas precisamos entender o timing: o foco pode mudar, por exemplo, para o semiárido. É importante aproveitar o momento certo para dar visibilidade às questões locais.
Uma coisa que aprendi é entender o que é especial no seu território. O que diferencia vocês do restante do mundo? No caso da Paraíba, o que é único aí? Às vezes, vale observar com o olhar de quem vem de fora: o que surpreende alguém que nunca conheceu a região? Isso pode ser um gancho para pautas relevantes. Por exemplo, alguém que trabalha numa afiliada de TV da Globo precisa pensar no que é local e característico, e como isso pode ser apresentado para um público mais amplo.
Então, o ponto central é: entender o que no seu lugar é relevante para o restante do mundo e por que aquela história precisa ser contada. Muito mais do que apenas contar para os pares, é pensar em como apresentá-la para alguém que nunca esteve na região. Sempre consultando fontes locais, pessoas que realmente conhecem o ponto específico da pauta.
Na reportagem do Marajó, por exemplo, embora eu seja paraense e more em Belém, consultei várias vezes pessoas que vivem lá. Mesmo morando na região, precisei de cautela para não parecer que cheguei apenas para narrar a situação. Cada vez mais, é olhar para o local para pensar nos impactos globais.
JOMlab: Por fim, qual conselho você daria para estudantes que sonham em cobrir um evento grande assim, como a COP, no futuro?
Olha, nunca achei que passaria um ano cobrindo oceanos. Muitas vezes a relação da Amazônia com o oceano passa batida, porque pensamos mais em rios e floresta. Meu interesse despertou com uma conversa com uma professora envolvida no movimento Escola Azul. Conversas assim vão nos fazendo aprender.
Se você quer se especializar em meio ambiente ou ciência, o primeiro passo é observar mais o seu território. Quando me formava, eu queria cobrir o global, mas olhar para o local torna palpável o que se discute globalmente. O primeiro passo é perceber, no seu cotidiano, o que poderia mudar e como contar essas histórias como jornalista.
"Se você quer se especializar em meio ambiente ou ciência,o primeiro passo é observar mais o seu território”
Existem hoje muitas oportunidades de bolsas e editais de reportagem que permitem aprofundar pautas e ir a campo, mesmo que sejam caras. Antigamente, o IJNet era ótimo para essas oportunidades, hoje algumas aparecem, por exemplo, no Instagram da Galápagos ou da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). É importante ficar de olho e entender seu diferencial.
Para mim, as coisas começaram a dar certo quando eu entendi que era amazônida. Percebi como o que acontece aqui interfere no global, exerguei um diferencial, sem forçar um personagem, sendo genuína, abraçando o que eu gosto. O que você sabe e vive pode ser exatamente seu diferencial. Nesses processos de bolsas, a genuinidade conta mais do que experiência prévia. E, claro, mais uma vez, estudar bastante.
É difícil porque o dia, as 24 horas, são poucas, mas é importante focar no que você pode. Podcasts, webinários, essas pequenas ações ajudam a ganhar familiaridade e se preparar, porque a oportunidade chega, e se você estiver pronto, é melhor. Foi assim no casting da COP: eu adoraria ir, mas não sonhava com isso. Quando o momento político e local foi propício, eu já tinha me interessado pelo assunto, feito webinários e criado conexões.
Então, é ir se preparando, construindo um arcabouço de conhecimento, pra quando a oportunidade aparecer, você estar preparado, ser o seu momento, sabe? Tem espaço para todos: a rivalidade entre jornalistas é uma coisa muito idiota, todo mundo sai perdendo. Cada um tem seu nicho, sua forma de ver o mundo, e isso deve ser abraçado. Tenho vários colegas que são especializados em oceano, mas cada um fala de um jeito, cada um vai falar e fazer pautas diferentes, todo mundo enxerga o mundo de uma forma.
Não se limite achando que sua faculdade não oferece especialização. Eu fiz uma, mas na prática o que faz diferença é estudar, correr atrás e acreditar. Muitas vezes, jornalistas do Norte e Nordeste não se lançam porque acham que não podem competir com grandes veículos, mas seleções e bolsas buscam justamente outras vozes, às vezes de portais menores. Então, acreditar na sua pauta, na sua curiosidade, e correr atrás é o caminho.

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