top of page

Entrevista completa com a ativista e artista visual Yasmin Formiga

  • Foto do escritor: Repórteres: Karine Gomes e Surama Marjouri
    Repórteres: Karine Gomes e Surama Marjouri
  • 1 de set.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 1 de out.

A artista ficou em segundo lugar no renomado Prêmio PIPA de arte contemporânea brasileira.

Yasmin Formiga é uma mulher jovem com longos cabelos escuros e ondulados, - Instagram: @yasmin.formiga
“Antropofagia Caatingueira” - Instagram: @yasmin.formiga
Jom Lab: Quais são os mitos que precisam ser desfeitos sobre a caatinga para que as pessoas compreendam a gravidade dos impactos gerados pelas energias renováveis?

Yasmin Formiga: Muitas vezes, a Caatinga é vista como um lugar inóspito e sem vida - uma falácia construída historicamente para justificar o controle das terras e a apropriação dos recursos naturais por grandes autoridades, algo que ainda acontece até hoje. Esse bioma foi estigmatizado e explorado, mas na realidade abriga uma biodiversidade única. A Caatinga consegue, inclusive, armazenar mais carbono do que a própria Floresta Amazônica. É a maior floresta sazonalmente seca da América do Sul e o semiárido mais biodiverso e populoso do mundo. Ainda assim, segue invisibilizada: não ocupa espaço central nos debates climáticos e, surpreendentemente, ainda não foi reconhecida como patrimônio nacional.


Jom Lab: Você menciona em uma das suas obras que a instalação de usinas solares e eólicas pode ser vista como um "neocolonialismo contemporâneo". Poderia explicar essa visão e como ela se manifesta na prática, especialmente no que tange a apropriação territorial?

Yasmin Formiga: É um neocolonialismo porque é um novo tipo de colonização em tempos contemporâneos. É algo que vai repetindo essa mesma lógica colonial. Só que vem sendo atravessada com novas vestes. Nego Bispo falou assim, que primeiro vieram para levar o nosso Pau Brasil. Depois vieram pegar o nosso Sol e o nosso vento. Então, o mesmo tipo de apropriação territorial, só que com outras vestes. Apropriação territorial no sentido de virem para um território que não tem nada a ver com eles. Então, eles invadem esse território, se apropriam, ludibriam as pessoas para produzir uma energia que nem fica no território. Então, é apenas para consumir todos os recursos naturais daquele bioma.


Começou com empresas estrangeiras da Espanha e da França, porque lá, eles já acabaram com os recursos naturais. E aí também tem o estudo de que essa região aqui da Caatinga é bem propícia para o vento, né? Em determinado mês, eles conseguem faturar muito com as eólicas por causa da medição do vento, por causa da geomorfologia que a Caatinga apresenta. Sabe o termo de apropriação cultural que o pessoal usa? Então, é como se fosse mais ou menos nesse sentido. E é apenas para alimentar o capital oceano.



Jom Lab: A energia solar, apesar de ser uma fonte limpa, pode intensificar a desertificação da Caatinga. Qual a sua perspectiva sobre a relação entre o desmatamento para a instalação de painéis e a degradação do solo?

Yasmin Formiga: Primeiro, a gente precisa deixar bem nítido que não existe energia limpa. Porque todo tipo de energia, por mais que ela apareça com o nome de energia verde, de energia sustentável, ela vai estar retirando algo da natureza, seja metais, para poder ser produzida. Digamos que a fotovoltaica poderia ser a mais aceitável se ela fosse feita de maneira descentralizada. O que acontece aqui, na Caatinga, são fazendas solares. Elas são feitas de forma centralizada, no qual ocupa muitos hectares correspondentes a vários campos de futebol. E isso precisa acabar urgentemente. Porque não adianta colocar o nome de Energia Verde, Energia Sustentável, quando precisa desmatar para gerar essa energia. Eu acho que isso é uma forma muito ignorante de se fazer energia, não se importando com a conservação do bioma, com o bem-estar das comunidades do campo, assim como as pessoas que vivem na cidade também, porque essa extensão de muitos hectares de placas solares causa até uma mudança de clima local na região, assim como causa uma aniquilação de ecossistema. 



Yasmin Formiga durante a Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, um evento que defende a proteção do bioma Caatinga e a valorização da agroecologia, especialmente na região da Paraíba.
“Toda luta é forte e merece reconhecimento” - Instagram: @yasmin.formiga

A minha perspectiva é que se eles continuarem nesse processo vão acelerar cada vez mais a desertificação da Caatinga, uma vez que esse bioma é historicamente invisibilizado. A gente sabe o papel importantíssimo que a Caatinga carrega para armazenar gás carbônico, o papel fundamental que ela tem nos debates climáticos, mas que, infelizmente, isso não chega à tona. Acredito que a forma mais viável seria cada um ter as placas solares instaladas em suas casas. 


Jom Lab: A sua "Carta-manifesto" fala sobre a falta de diálogo transparente com a população local, incluindo agricultores e comunidades quilombolas. De que forma a vulnerabilidade dessas comunidades, muitas sem acesso à educação formal, é explorada nos contratos de terras para a instalação de usinas?

Yasmin Formiga: Desde o primeiro momento, eles pedem sigilo nos contratos, no qual a pessoa não pode comentar mais com ninguém sobre o contrato que assinou ou mostrar para uma outra pessoa. Então, eles ludibriam e faziam muitas falsas promessas às comunidades, prometendo coisas que não vão cumprir. Então, é muito nesse sentido de poder hierárquico que eles se colocam, sem falar sobre os malefícios que as empresas vão causar, os danos e os impactos, porque quando chegam para abrir as estradas, eles usam explosivos e dinamites. E aí, essas dinamites começam a causar rachamentos nas casas e nas cisternas, os moradores ficam com uma insegurança hídrica, além disso, existe muitos outros danos. 


Jom Lab: A COP 30 em Belém é uma oportunidade para o Brasil. Como a questão da Caatinga e os dilemas da transição energética no sertão nordestino podem ser levados para a agenda global da conferência?

Yasmin Formiga: Bom, essa pergunta sim, é algo que não sei muito bem ainda como responder. Porque, sinceramente, a COP é ainda um espaço muito limitado. Um espaço onde não tem abertura para que a população participe de uma forma mais direta, sabe? Ainda existe muita burocracia. Eu ainda não vejo como um espaço aberto. Na verdade, eu vejo um espaço de muito deslumbramento. Mas eu acho que a participação da juventude, principalmente a juventude que luta por uma Caatinga, que está participando de movimentos territoriais, é essencial para que possa ser levado e alcançar a COP 30. 


Yasmin e o complexo solar de Santa Luzia - Instagram: @yasmin.formiga
Yasmin e o complexo solar de Santa Luzia - Instagram: @yasmin.formiga

Comentários


Não é mais possível comentar esta publicação. Contate o proprietário do site para mais informações.
Mantenha-se atualizado com a nossa Newsletter

Obrigado pelo envio!

  • Ícone do Facebook Branco
  • Ícone do Instagram Branco
  • TikTok

© JOM l@b - 2025. Orgulhosamente criado por estudantes da disciplina de Jornalismo Multiplataforma II - 2025.1 da UFPB

com Wix.com

bottom of page