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Entrevista completa com a ativista e artista visual Yasmin Formiga, que em 2025 ficou em segundo lugar no renomado Prêmio PIPA de arte contemporânea brasileira.

  • Foto do escritor: Repórteres: Karine Gomes e Surama Marjouri
    Repórteres: Karine Gomes e Surama Marjouri
  • 1 de set.
  • 5 min de leitura
“Antropofagia Caatingueira” - Instagram: @yasmin.formiga
“Antropofagia Caatingueira” - Instagram: @yasmin.formiga
Jom Lab: Quais são os mitos que precisam ser desfeitos sobre a caatinga para que as pessoas compreendam a gravidade dos impactos gerados pelas energias renováveis?

Yasmin Formiga: Muitas vezes, a Caatinga é vista como um lugar inóspito e sem vida — uma falácia construída historicamente para justificar o controle das terras e a apropriação dos recursos naturais por grandes autoridades, algo que ainda acontece até hoje. Esse bioma foi estigmatizado e explorado, mas na realidade abriga uma biodiversidade única. A Caatinga consegue, inclusive, armazenar mais carbono do que a própria Floresta Amazônica. É a maior floresta sazonalmente seca da América do Sul e o semiárido mais biodiverso e populoso do mundo. Ainda assim, segue invisibilizada: não ocupa espaço central nos debates climáticos e, surpreendentemente, ainda não foi reconhecida como patrimônio nacional.


Jom Lab: Você menciona em uma das suas obras que a instalação de usinas solares e eólicas pode ser vista como um "neocolonialismo contemporâneo". Poderia explicar essa visão e como ela se manifesta na prática, especialmente no que tange a apropriação territorial?

Yasmin Formiga: É um neocolonialismo porque é um novo tipo de colonização em tempos contemporâneos, né? É algo que vai repetindo essa mesma lógica colonial. Só que vem sendo atravessada com novas vestes, né? Nego Bispo, ele falou assim, que primeiro vieram pra levar o nosso pau ao Brasil. Depois vieram pegar o nosso sol e o nosso vento. Então, o mesmo tipo de apropriação territorial, só que com outras vestes, né? Apropriação territorial no sentido de virem pra um território que não tem nada a ver com eles. Então, eles invadem esse território, se apropriam, ludibriam as pessoas pra produzir uma energia que nem fica no território, vai pra fora. Então, é apenas pra consumir todos os recursos naturais daquele bioma, né? Pra alimentar o capitalismo. Apropriação territorial também no sentido de que são empresas que vêm de fora. Começou com empresas estrangeiras, com empresas da Espanha, da França, entendeu? Porque lá, eles já acabaram com os recursos naturais deles. E aí também tem o estudo de que essa região aqui da Caatinga é bem propícia pra o vento, né? Em determinado mês, eles conseguem faturar muito com as eólicas por causa da medição do vento, né? Então, por causa da geomorfologia que a Caatinga apresenta, né? Que isso fica muito propício pra eles. Só que é uma coisa que não está no território deles. Então, eles estão se apropriando. Sabe o termo de apropriação cultural que o pessoal usa? Então, é como se fosse mais ou menos nesse sentido. Estão se apropriando de uma terra que não pertence a eles. Que não tem nada a ver com a cultura deles. E é apenas pra alimentar o capital oceano.


Jom Lab: A energia solar, apesar de ser uma fonte limpa, pode intensificar a desertificação da Caatinga. Qual a sua perspectiva sobre a relação entre o desmatamento para a instalação de painéis e a degradação do solo?

Yasmin Formiga: Primeiro, a gente precisa deixar bem nítido que não existe energia limpa. Não existe. Porque todo tipo de energia, né? Por mais que ela apareça como nome de energia verde, de energia sustentável, ela vai estar retirando algo da natureza, seja metais, né? Para poder ser produzida, né? Então, digamos que a fotovoltaica poderia ser a mais aceitável se ela fosse feita de maneira descentralizada, né? O que acontece aqui, na Caatinga, são fazendas solares. Elas são feitas de forma centralizada, no qual ocupa muitos hectares correspondentes a vários campos de futebol. E isso precisa acabar urgentemente. Porque não adianta colocar o nome de energia verde, de energia sustentável quando precisa desmatar para gerar essa energia. Eu acho que isso é uma forma muito ignorante de se fazer energia. É uma forma que não está se importando com a conservação do bioma, com o bem-estar das comunidades do campo, assim como as pessoas que vivem na cidade também, porque essa extensão de muitos hectares de placas solares causa até uma mudança de clima local na região, assim como causa uma aniquilação de ecossistema. 


“Toda luta é forte e merece reconhecimento” - Instagram: @yasmin.formiga
“Toda luta é forte e merece reconhecimento” - Instagram: @yasmin.formiga

A minha perspectiva é que, se eles continuarem nesse processo, eles vão acelerar cada vez mais o processo de desertificação da Caatinga. E que, infelizmente, vai ser muito difícil fazer com que eles enxerguem isso, uma vez que a Caatinga é historicamente invisibilizada. A gente sabe o papel importantíssimo que a Caatinga carrega para armazenar gás carbônico, o papel fundamental que ela tem nos debates climáticos, mas que, infelizmente, isso não chega à tona, porque a Caatinga sofre racismo ambiental. Acredito que a forma mais viável seria cada um ter suas placas solares nas suas casas, mas o que eles querem é apenas para que esse sistema capitalista continue do jeito que sempre é. São exploradas de uma forma muito injusta, desde o primeiro momento que o pessoal das empresas chega para falar com elas, de uma forma com que elas se sintam ameaçadas ou tenham medo, sem ser transparente sobre os contratos.


Jom Lab: A sua "Carta-manifesto" fala sobre a falta de diálogo transparente com a população local, incluindo agricultores e comunidades quilombolas. De que forma a vulnerabilidade dessas comunidades, muitas sem acesso à educação formal, é explorada nos contratos de terras para a instalação de usinas?

Yasmin Formiga: Desde o primeiro momento, quando eles pedem sigilo nos contratos, no qual a pessoa não pode comentar mais com ninguém sobre o contrato que assinou, ou mostrar esse contrato para uma outra pessoa. Então, eles ludibriam muito e faziam muitas falsas promessas às comunidades, prometendo muitas coisas que eles não vão cumprir. E que, ao exemplo de muitas comunidades até aqui, eles não cumpriram com o que prometeram. Então, é muito nesse sentido de poder hierárquico que eles se colocam. Eles chegam sem falar sobre os malefícios que as empresas vão causar, os danos e os impactos que vão causar. Porque quando já chega para abrir as estradas, eles usam explosivos, dinamites. E aí, essas dinamites começam a... A frequência, né? Causa um rachamento nas casas e nas cisternas. Então, aí, eles já ficam com uma insegurança hídrica, né? Para além disso, mas muitos outros danos. Isso é apenas um exemplo. 


Jom Lab: A COP 30 em Belém é uma oportunidade para o Brasil. Como a questão da Caatinga e os dilemas da transição energética no sertão nordestino podem ser levados para a agenda global da conferência?

Yasmin Formiga: Bom, essa pergunta, sim, é algo que não sei muito bem ainda como responder. Porque, sinceramente, a COP é ainda um espaço muito limitado. Um espaço onde não tem uma abertura para que a população participe de uma forma mais direta, sabe? Ainda existe muita burocracia. Eu ainda não vejo como um espaço aberto. Na verdade, eu vejo um espaço de muito deslumbramento, sabe? Que, para a gente conseguir chegar lá, tem que ser através de muitas outras organizações ou projetos, né? Então, é mais ou menos isso. Mas eu acho que a participação da juventude, principalmente a juventude que luta por uma Caatinga, que está participando de movimentos territoriais, é essencial para que possa ser levado, para que possa alcançar na COP. 


Yasmin e o complexo solar de Santa Luzia - Instagram: @yasmin.formiga
Yasmin e o complexo solar de Santa Luzia - Instagram: @yasmin.formiga

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