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Carros elétricos em João Pessoa: solução verde ou ilusão sustentável?

  • Foto do escritor: Repórteres: Laura Moura e Ester Souza
    Repórteres: Laura Moura e Ester Souza
  • 3 de set
  • 9 min de leitura

Atualizado: 7h


A imagem mostra o carregamento de um veículo elétrico em uma estação de recarga.
créditos: @chuttersnap

De acordo com o Copernicus, componente de observação da Terra do Programa Espacial da União Europeia, há 13 meses consecutivos, é quebrado um recorde na temperatura mensal da superfície do ar e na superfície do mar. Junho de 2024 foi registrado como o mês mais quente da história. Os níveis de degelo na Antártida e no Ártico também diminuíram. 


Esses fatores se revelam na nossa realidade a partir das enchentes, secas e aumento da temperatura, perceptíveis no nosso dia a dia. O mundo está enfrentando, de fato, a emergência das mudanças climáticas, num ciclo em que não só os ecossistemas são prejudicados, mas toda a humanidade.


Uma das estratégias para tentar enfrentar esse cenário é a realização da Conferência das Partes (COP), que acontece anualmente com a recepção de países diferentes para cada edição. O evento reúne representantes de várias nações, além de cientistas, sociedade civil e empresas privadas, com o objetivo de buscar soluções e definir metas para enfrentar a crise climática. 


A primeira Conferência das Partes (COP) foi realizada em 1995, em Berlim, na Alemanha. Desde então, várias ações foram desenvolvidas com o objetivo de reduzir os danos causados ao planeta. Em 2021, a COP lançou a Agenda de Ação, um conjunto de metas definidas pelo país presidente. Entre os exemplos, podemos citar o Protocolo de Kyoto, o Acordo de Paris e o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima.


Neste ano, a 30ª edição da Conferência será realizada no Brasil, no mês de novembro, em Belém, no Pará. Um marco histórico e significativo para o país que possui a maior área de extensão territorial da Floresta Amazônica. Assim, o encontro marca o protagonismo brasileiro, como o próprio presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, destacou: 


“Uma coisa é discutir a Amazônia no Egito; outra coisa é discutir a Amazônia em Berlim; outra coisa é discutir a Amazônia em Paris. Agora, não. Agora nós vamos discutir a importância da Amazônia dentro da Amazônia”.


Dentre as temáticas escolhidas para a discussão, a redução de emissões de gases de efeito estufa recebe destaque diante do agressivo aumento da temperatura global nos últimos anos. Com fortes estudos teóricos e aplicações diárias, especialmente na área agrícola, o Brasil debate sobre tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono para diminuir os impactos desse cenário e amenizar suas consequências. 


Os carros elétricos como alternativa na redução da emissão do CO²


Segundo dados de 2023 do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de

O gráfico apresenta os setores que mais emitem gases de efeito estufa no Brasil, com dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG)

Efeito Estufa (SEEG), o setor de energia é o terceiro maior emissor de gases do efeito estufa no Brasil, ficando atrás apenas da “Mudança de Uso da Terra e Floresta” e a “Agropecuária”. Ainda de acordo com a base de dados, os três principais produtos ou sistemas responsáveis pelas emissões do campo energético são o diesel de petróleo (famoso óleo diesel), a gasolina automotiva e o gás natural seco, todos utilizados como combustível para transportes. 


Diante desse cenário, os carros elétricos surgem como uma possível solução para a redução da emissão do dióxido de carbono na atmosfera, um dos fatores determinantes para o aumento do aquecimento global. Em alguns países, o uso dos carros elétricos já é uma realidade comum no dia a dia, mas afinal, o que caracteriza um carro elétrico? É realmente uma solução sustentável? 


Os carros elétricos, como o próprio nome diz, são movidos à energia elétrica. Nesse sistema não há queima de combustível, pois seu funcionamento ocorre por meio da conversão de energia elétrica, armazenada em baterias, em energia mecânica para movimentar as rodas. O processo envolve um motor elétrico que recebe energia da bateria e a transforma em movimento. Já os veículos à combustão funcionam a partir da queima de combustíveis como gasolina, óleo diesel, etanol ou gás natural. Depois de abastecer, o combustível vai para o motor junto com o ar. Lá dentro, acontece a queima que gera energia para o carro se movimentar. Essa pequena “explosão” provoca o funcionamento do motor e a liberação do nosso grande vilão, o gás carbônico. 


A imagem compara o funcionamento de carros a combustão e elétricos

Ao observar esses tópicos, os automóveis elétricos parecem a opção ideal para uma mobilidade urbana mais eficiente, sustentável e limpa, mas será que essa é realmente a solução para os problemas urbanos climáticos que temos enfrentado? A seguir, iremos analisar as vantagens e desvantagens desses veículos e, ainda, refletir quanto aos avanços tecnológicos, desafios ambientais e estigmas sociais que perpassam esses meios de transporte.


O crescimento dos carros elétricos e suas vantagens ao usuário


O gráfico de pizza apresenta as principais categorias da linha automotiva, com base nos dados da Neocharge, destacando a participação de cada tipo de veículo

A frota de carros elétricos no Brasil tem crescido cada vez mais. De acordo com a NeoCharge, empresa que promove a mobilidade elétrica e trabalha com serviços de infraestrutura de recarga para esses tipos de veículos no país, em abril deste ano (2025), o número da frota de carros elétricos no país correspondia a mais de 440 mil automóveis.

A Paraíba ocupa a 20ª posição no ranking de veículos elétricos por estado, com 4.159 automóveis em circulação (abril/2025). De 2023 para 2024, ano em que esse mercado automobilístico ganhou notoriedade, a frota aumentou 73,5% no estado. Desde então, do ano passado até abril de 2025, o aumento mensal tem sido constante, com o crescimento correspondente a 21,1% em relação ao ano de 2024 e de 110,1% ao ano de 2023.


A imagem apresenta um gráfico de barras que ilustra o número de carros elétricos, híbridos e híbridos plug-in vendidos na Paraíba entre abril de 2022 e abril de 2025

Essas pesquisas revelam o interesse progressivo dos brasileiros na eletrificação dos transportes. Apesar do posicionamento discreto da Paraíba, é perceptível a aceitação dos veículos elétricos no mercado diante do baixo custo com combustível e manutenção. Entretanto, é necessário refletir sobre os desafios enfrentados pelos usuários desse tipo de automóvel, além do custo-benefício e ecossustentabilidade.


O que diferencia inicialmente um carro elétrico de um a combustão é justamente o sistema de propulsão desse veículo, ou seja, o sistema que gera e transmite a força para movimentá-lo. No primeiro, que utiliza baterias, é possível usar, por exemplo, um método de geração solar para fazer o carregamento da bateria, que converte ou fornece a energia necessária para o motor elétrico acionar o veículo, então não existe o processo de combustão. Já no veículo a combustão, existe um conjunto de componentes necessários para fazer o carro funcionar, por isso ele possui um custo de manutenção maior.


Os motores elétricos, por outro lado, conseguem aproveitar até 90% da energia gerada, enquanto os motores a combustão desperdiçam mais da metade. Esse aproveitamento garante mais eficiência e desempenho, além de diminuir os gastos com energia: o custo por quilômetro rodado pode ser até cinco vezes menor do que nos veículos a gasolina ou etanol. No entanto, a autonomia, ou seja, a distância que percorrem com uma carga completa, ainda é um desafio. Mesmo com alta tecnologia embarcada, muitos modelos elétricos ainda rodam menos do que carros comuns com um tanque cheio. Essa pode ser uma limitação para quem realiza percursos longos ou trabalha com transporte por aplicativo, como é o caso de Henrique.


Motorista de aplicativo, Henrique optou por um carro elétrico devido a praticidade da baixa manutenção e economia. Para ele, esses veículos proporcionam menos gastos para o dono e mais lucro para a sua profissão. Apesar de ainda não existir muitos pontos de recarga em João Pessoa, ele contornou o problema por meio da instalação de um “carregador em sua residência”. Em suas palavras, um carro elétrico tem menos peças no motor do que um carro a combustão, ou seja, a despesa com a manutenção diminui e a economia com a gasolina aumenta. Esse, explica Henrique, foi o principal motivo para a troca do automóvel a combustão pelo carro elétrico, que veio com uma adaptação tranquila. Contudo, os maiores obstáculos para o fortalecimento dos carros elétricos continuam sendo os mesmos: o preço.


Embora o sistema interno dos carros elétricos seja composto por menos peças em comparação com os modelos a combustão, o veículo permanece com um valor elevado devido ao alto custo de suas baterias. A elaboração desses protótipos, além da extração de minerais como lítio, níquel e cobalto, requer um processo também de purificação e fabricação das baterias. Nesse contexto, as indústrias fabricantes desses motores não só lidam com recursos limitados mas que também possuem alta demanda no mercado. 

Outro fator determinante para o encarecimento desses veículos consiste na utilização de tecnologia avançada e materiais de alta qualidade para boa autonomia e durabilidade dos automóveis. Com um sistema mais complexo, o mercado não só necessita de recursos de alta exigência, mas de pesquisas e aperfeiçoamentos para a otimização das baterias, melhorias de segurança e evolução do setor. Todavia, essas são áreas que, mais uma vez, reivindicam investimentos constantes que recaem no bolso dos consumidores. 

Junto a esse contexto, surge a escassez de empresas especializadas e a problemática da falta de competição no mercado. Para o professor Doutor de Engenharia Elétrica da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Euler Macêdo, houve um aumento no preço dos veículos, não só elétricos, mas também a combustão, fato que impede o aumento do número de vendas e, consequentemente, a popularização dos automóveis. “Existe também a questão do lobby das montadoras, assim, todas as montadoras hoje vêm trabalhando em iniciativas de eletrificação e redução de emissões de veículos. Só que a principal fabricante, vamos dizer assim, desse tipo de veículo ainda é estrangeira, chinesa. Então existe sim um lobby para que não haja uma proliferação ainda tão grande desse tipo de veículo aqui no país”, explica o professor.


O segredo por  trás das baterias dos carros elétricos


Apesar dos benefícios que o carro elétrico possui em comparação aos veículos à combustão interna, as baterias ainda são um desafio para que se tornem uma alternativa completamente limpa. Com o aumento crescente da adesão aos veículos elétricos e híbridos, surge, proporcionalmente, a necessidade de se fazer o gerenciamento ambientalmente adequado das baterias na sua fabricação e ao fim da vida útil. As baterias mais utilizadas nos carros elétricos são as de íon de lítio, a mais comum e eficiente no mercado. Entretanto, o lítio é um elemento escasso na natureza, consome uma quantidade significativa de água em sua extração e possui fontes em áreas de conflito, a exemplo do Congo, na África. 

De acordo com levantamento do site Terra, para extrair e refinar cada tonelada de lítio são necessários 2,1 milhões de litros de água, quantidade suficiente para produzir baterias para uma média de 80 veículos elétricos. Além disso, para separar o lítio da rocha em que está contido, são necessários produtos químicos altamente tóxicos, como carbonato de sódio, bases e ácidos. 

Uma bateria de carro elétrico é projetada para uma vida útil prolongada, podendo durar entre 12 a 20 anos. Ao final de sua utilidade, a bateria continua tendo valor, mesmo que não seja para alimentar um carro elétrico. Entretanto, o descarte incorreto desses itens podem prejudicar o meio ambiente. Segundo estudo realizado pela Universidade Veiga de Almeida (UVA), caso não haja uma regulamentação para a logística reversa das baterias em larga escala até 2030, o país vai acumular toneladas de rejeitos de baterias inservíveis e que apresentam um alto risco ambiental, além de explosões e incêndios

No Brasil, há algumas legislações que favorecem a reciclagem correta de resíduos sólidos como as baterias. Em 2022, foi sancionado o Decreto Federal 10.936/2022, que regulamentou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, e o posterior Decreto Federal 11.043/2022, que instituiu o Plano Nacional de Resíduos (Planares). Estas iniciativas indicam a responsabilidade compartilhada do setor público-privado pelo ciclo de vida dos produtos e a logística reversa dos resíduos sólidos, mas ainda não são suficientes para lidar com o cenário crescente da produção de baterias elétricas. 

Apesar disso, os carros elétricos ainda permanecem como uma alternativa no combate a emissão de gás carbônico na atmosfera, contribuindo para um a purificação do ar nas cidades. Ainda segundo o Professor Euler Macêdo, “Todo tipo de equipamento gera um impacto ambiental, em especial, a bateria do veículo elétrico, todo o processo de fabricação, seja da extração dos minerais necessários para fazer a fabricação dessa bateria, seja todo o processo de chegar até a ponta do consumidor, isso tem com certeza um impacto ambiental. Só que, quando você faz o comparativo desse impacto ambiental com a extração do petróleo, essa produção da bateria se torna ainda mais ecológica do que o processo de extração, de refino e de transporte do combustível fóssil que é utilizado nos veículos tradicionais.”


É preciso pensar em outras soluções


Diante dos avanços e desafios que envolvem os carros elétricos, fica claro que a transição para uma mobilidade sustentável não se resume apenas à substituição dos veículos a combustão. É preciso pensar em soluções mais amplas, como investimentos em transporte público de qualidade, incentivo ao ciclismo urbano, pavimentações que privilegiem pedestres e ciclistas, e políticas que tornem o deslocamento coletivo mais atrativo do que o individual. Essa é a opinião da doutoranda em Arquitetura e Urbanismo (UFPB), também integrante do Grupo de Estudos Urbanos da UFPB (GeUrb) e da Rede de pesquisadores sobre cidades médias (ReCiMe), Letícia Bomfim.

A pesquisadora explica que os carros elétricos até podem ajudar a reduzir emissões, mas não resolvem o problema central: o uso excessivo e dependente do automóvel individual. “A eletrificação sem revisão do modelo de cidade apenas perpetua um sistema excludente e insustentável. Substituímos a matriz energética, mas mantemos o privilégio do carro particular, a ocupação desigual do espaço urbano e a exclusão socioespacial. Soluções pontuais como essas podem mascarar a mudança estrutural necessária”, explica.

De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Cidades Responsivas, Curitiba tem o segundo transporte público mais eficiente do país, considerando o deslocamento entre a residência e o trabalho. A partir das estratégias de corredores exclusivos e ônibus mais eficientes - elétricos e com rotas mais rápidas, chamados de Ligeirões, a capital alcança o segundo lugar no Indicador de Mobilidade Urbana. Experiências como a de Curitiba mostram que o caminho para cidades mais verdes exige planejamento urbano aliado à inovação tecnológica. Além de alternativas como o uso de bicicletas e o investimento no transporte público, Letícia explica que é necessária a elaboração de políticas públicas que enfrentem a mobilidade de forma integrada, a partir de uma lógica social e territorial. 

Assim, a realização da COP30, em Belém, surge como um marco de esperança e protagonismo para o Brasil nesse debate. Reunindo líderes mundiais, cientistas e a sociedade civil, a conferência coloca em pauta não apenas o futuro da Amazônia, mas também a urgência de repensar modelos de desenvolvimento e consumo. Uma mobilidade mais limpa só será viável se cada cidadão, empresas e governos assumirem sua responsabilidade na construção de cidades menos poluídas e mais inclusivas. Afinal, a luta contra as mudanças climáticas não é apenas uma questão de inovação, mas de sobrevivência coletiva.


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