COP30 e a proteção das cidades litorâneas: O exemplo de João Pessoa contra a especulação imobiliária e o aumento das ilhas de calor
- Repórteres: Ícaro Cardoso, Lucas Aguiar, Gustavo Dahia e Gustavo Lipe
- 4 de set.
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Atualizado: há 7 horas

A chegada da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), no Belém do Pará, coloca em pauta questões cruciais para a preservação do meio ambiente e a adaptação das cidades às mudanças climáticas. Entre os temas centrais, destaca-se a necessidade de estratégias para lidar com o aumento da temperatura global e seus impactos em áreas urbanas, especialmente nas regiões costeiras. Nesse contexto, surge a questão: como as cidades litorâneas brasileiras podem se preparar para os efeitos do aquecimento global e evitar os danos socioambientais decorrentes da ocupação desordenada de suas orlas?
João Pessoa, na Paraíba, se destaca como modelo de planejamento urbano resiliente. Desde 1989, a cidade mantém legislação rigorosa que regula a ocupação de sua orla, consolidada na Lei Complementar nº 6.004/1993. A norma define limites de altura para edificações, preservação de áreas de restinga e controle da impermeabilização do solo, medidas fundamentais para proteger o ecossistema local. O processo de criação da lei envolveu intensa mobilização social, liderada pela Associação Paraibana dos Amigos da Natureza (APAN), que reuniu mais de quatro mil assinaturas para apresentar a proposta ao Legislativo estadual.
A proteção do litoral paraibano vai além da preservação ambiental; ela também resguarda a identidade cultural e histórica das comunidades locais. Para Paula Frassinete, representante da APAN, a legislação é um exemplo de ação preventiva que pode inspirar outras cidades brasileiras.
"João Pessoa provou que é possível crescer sem destruir. Mas o desafio agora é evitar que moradores tradicionais sejam pressionados a deixar suas casas devido à especulação imobiliária, mesmo com as restrições já existentes", afirma.
Ela ressalta que o engajamento da sociedade é tão importante quanto as normas legais. "Não se trata apenas de limitar a altura de prédios. É sobre criar um modelo de desenvolvimento que respeite o meio ambiente, a cultura e o direito das pessoas de permanecer em seus territórios".
Ao longo das últimas décadas, João Pessoa passou por transformações urbanas significativas, principalmente na área litorânea. O crescimento populacional e a valorização imobiliária, impulsionados pelo turismo, pressionaram a cidade a buscar formas de conciliar desenvolvimento econômico e preservação ambiental. Sem legislação adequada, a tendência seria a ocupação desordenada, com impactos severos sobre ecossistemas frágeis, como restingas, dunas e manguezais, além de comprometer a mobilidade urbana e a qualidade de vida da população.
O conjunto de normas, incorporado à Constituição Estadual da Paraíba, estabelece gabaritos que variam de 12,9 metros próximo à praia até 35 metros em áreas mais afastadas, além da exigência de pilotis em novas construções, preservando áreas livres e permitindo a circulação de ventos. Esses mecanismos reduzem o impacto ambiental das edificações, conter a formação de ilhas de calor e preservar áreas naturais essenciais, garantindo as pessoas maior conforto urbano.
Um dos efeitos mais diretos da ocupação desordenada da orla é a formação dessas ilhas de calor, que aumentam significativamente a temperatura de zonas nas cidades e agravam os riscos à saúde da população. Estudos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) indicam que a legislação de João Pessoa cria uma diferença de até 3°C na sensação térmica em comparação com Recife, município vizinho que enfrenta maior verticalização desordenada.
Segundo o estudo da Universidade Federal de Pernambuco, a configuração urbana da cidade tem grande contribuição para a criação de zonas de calor, o estudo ressalta a verticalização desordenada da orla da capital e o impacto que a alta densidade de edificações tem na temperatura nas estações ao oeste da linha de prédios durante o período diurno, e ao leste, durante o período noturno.
O contraste com cidades vizinhas, como Recife e Natal, evidencia ainda mais a importância da legislação pessoense. Nessas localidades, a verticalização intensa e a falta de controle sobre a ocupação de áreas sensíveis geram ilhas de calor mais intensas, maior impermeabilização do solo e degradação ambiental acelerada. A proximidade entre essas capitais, muitas vezes menores que 150 km, reforça a necessidade de políticas preventivas coordenadas para proteger toda a região litorânea.
A especulação imobiliária, entretanto, representa a principal ameaça a essa proteção. O crescimento do turismo e a valorização imobiliária nas áreas litorâneas geram pressão constante por construções de alto padrão, muitas vezes desrespeitando a legislação vigente. Atualmente existem 2 empreendimentos que descumprem as normas e aguardam decisões judiciais, que se positivas para a permanência desses prédios podem criar jurisprudência favorável à verticalização irregular, enfraquecendo toda a base legal e colocando em risco décadas de planejamento urbano. Além dos impactos jurídicos, a ocupação irregular reduz áreas verdes, compromete restingas e aumenta a impermeabilização do solo, ampliando as ilhas de calor.
Esse processo não afeta apenas o meio ambiente, mas também a sociedade. Áreas valorizadas atraem investimentos em edifícios de alto padrão, elevando o custo de vida e contribuindo para a gentrificação de bairros próximos à orla. Moradores tradicionais podem ser pressionados a se deslocar para áreas mais afastadas, enquanto a ocupação irregular aumenta os riscos de desastres naturais, como erosão costeira e alagamentos.
A experiência de João Pessoa traz lições diretas para a COP30. Ao apresentar soluções práticas de mitigação de ilhas de calor, controle de verticalização e preservação de áreas naturais, a cidade oferece um modelo que pode ser adotado e adaptado para outras localidades. A conferência não apenas debate questões climáticas globais, mas também busca exemplos concretos de adaptação urbana, mostrando como políticas locais bem-sucedidas devem servir de inspiração para decisões internacionais.
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